A série La Casa de Papel é um dos sucessos mais recentes da Netflix. E, ao que parece, além de atrair a atenção de apaixonados pelas grandes produções, a trama também inspirou um grupo de assaltantes da vida real. No entanto, ao contrário do visto no serviço de streaming, a ação dos bandidos não foi tão elaborada.

A vida de um dos gerentes da agência do Banco do Brasil em Muritiba, cidade de 30 mil habitantes, no Recôncavo baiano, não será mais a mesma. Ele foi um dos reféns que passou mais de 16h sob o poder de bandidos, com explosivos presos ao corpo, nesta terça-feira (7). O terror, no entanto, começou no dia anterior para ele.

Gerente teve explosivos presos ao corpo (Foto: Reprodução)

O final de tarde de segunda-feira (6) era para ser mais um fim de expediente no banco. O gerente, cujo nome está sob sigilo, chegava em casa com seu carro quando, por volta das 16h30, foi abordado por dois bandidos armados com pistolas. Na residência, estavam a esposa do gerente e um casal de amigos.

Logo após a abordagem ao gerente, os bandidos invadiram a casa e fizeram as vítimas de reféns: elas foram amarradas e tiveram esparadrapos colocados na boca. O plano dos criminosos era fazer com que o gerente abrisse o cofre do banco na manhã do dia seguinte e colocasse a quantia que coubesse numa sacola grande dada pelos criminosos.

Para convencer o gerente a fazer o que eles queriam, os bandidos amarraram explosivos no corpo dele. Por volta das 22h30, chegaram à casa outros três bandidos, também armados com pistolas e armas de grosso calibre que as vítimas não souberam identificar. Eles estavam também com explosivos de uso comum para a mineração.

Depois de acertarem os detalhes do plano, por volta de 1h desta terça-feira, três dos bandidos colocaram a esposa do gerente e o casal de amigos no veículo do próprio gerente e viajaram até para Salvador. Enquanto isso, os outros dois criminosos vigiaram o funcionário do banco até amanhecer.

Policiais cercaram a agência do Banco do Brasil 
(Foto: Leandro Alves Abreu dos Santos/Divulgação)

Por volta das 7h, os bandidos deixaram o gerente numa área próxima ao banco com um aparelho celular e deram orientações de onde o dinheiro deveria ser entregue. Em seguida, fizeram ameaças e avisaram que, caso a polícia fosse chamada, os explosivos seriam detonados e o gerente, consequentemente, morreria.

Segundo eles, com uma simples ligação seria possível acionar as bombas, o que foi negado posteriormente por uma equipe do Esquadrão Antibombas do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) da Bahia.

Sem saber que se tratava de uma mentira, o gerente obedeceu. Foi até o banco, mas a sua presença foi considerada estranha pelo sistema de segurança da agência. De Brasília, agentes de segurança que trabalham para o Banco do Brasil acionaram a polícia.

Ao perceber uma movimentação estranha, os bandidos que estavam nas imediações do banco fugiram em um veículo, cujo modelo não foi identificado pela polícia. Também pela manhã, os bandidos que estavam em Salvador liberaram a esposa do gerente e o casal de amigos na rua, sem ferimentos. O local onde as vítimas foram libertadas não foi informado.

Livre dos bandidos, mas ainda com explosivos presos na cintura, o gerente foi atendido pelo Esquadrão Antibombas, que chegou a Muritiba por volta das 10h30. Depois de analisar a situação, o grupo conseguiu desarmar a bomba por volta das 14h e descobriu que os explosivos não poderiam ser detonados com uma simples ligação de celular, como os bandidos disseram ao gerente, que também saiu ileso fisicamente. Até o início da noite desta terça-feira, ninguém foi preso.

Por meio de nota, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia disse que a ação dos bandidos em Muritiba foi frustrada por guarnições da 27ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM/Cruz das Almas), com apoio da Companhia Independente de Policiamento Especializado (Cipe) Litoral Norte.

“Temos que exaltar o trabalho dos policiais. Agiram rápido, evitaram o roubo e garantiram a liberação dos parentes do bancário, sem qualquer tipo de ferimento”, destacou o comandante do Policiamento na Região Leste, coronel Luziel Andrade. Os explosivos que estavam no gerente do banco foram para análise da Polícia Técnica.

Banco não informou se funcionará normalmente após caso
(Foto: Leandro Alves Abreu dos Santos/Divulgação)

Moradores relatam clima de terror
Em Muritiba, os moradores e a polícia informaram que a cidade nunca tinha sido alvo de uma ação criminosa dessa dimensão. Devido ao fato, o comércio ficou fechado durante praticamente o dia inteiro.

“O clima está um pouco pesado, aqui nunca teve esse negócio. O comércio fechou todo na cidade, só abriu depois que estava tudo na calmaria, no final da tarde”, disse a atendente de uma farmácia, que pediu anonimato.

“A farmácia fica bem pertinho do banco, logo quando abrimos a polícia chegou e fechamos tudo”, completou.

Já o estudante universitário Eduardo Cunha, 27, disse que ficou assustado com a presença de helicópteros da polícia e de emissoras de TV na cidade. “Foi algo inédito para nós. Essa movimentação toda, parecendo coisa de filme. Ainda bem que tudo terminou sem feridos”, comentou.

Para o Sindicato dos Bancários da Bahia, “o episódio reforça a pauta do sindicato, que tem reivindicado mais investimento em segurança por parte da polícia e dos próprios bancos, que negligenciam a vida dos funcionários, colocando em risco famílias e clientes”.

Presidente da entidade, Augusto Vasconcelos lembrou que, em oito dias, foram registrados quatro ataques no estado, o que cria um clima de alerta – dia 2 de maio houve a explosão da agência do Banco do Brasil, em Barreiras, e, no dia seguinte, na agência do Bradesco de Nova Soure.

“O Sindicato vai cobrar providências do BB e do governo do Estado para reforçar a segurança, sobretudo nas cidades do interior”, disse Vasconcelos, acrescentando que a entidade se coloca à disposição para prestar assistência necessária no âmbito da saúde, com assistência psicológica.

Vasconcelos cobra ainda que o banco forneça atendimento para os trabalhadores e emita a Comunicação de Acidente de trabalho para todos os funcionários. Diretores da entidade irão à agência em Muritiba para conversar com os bancários.

O banco não informou se a unidade funcionará normalmente nesta quarta-feira (8) ou suspenderá suas atividades – em Muritiba há ainda uma agência do Bradesco e outra da Caixa.

Amadores
De acordo com o Sindicato dos Bancários da Bahia, essa foi 15ª ocorrência de 2019 envolvendo agências bancárias neste ano. Foi também o quarto caso em que as tentativas resultaram em frustração para os bandidos – esta de Muritiba foi a primeira do ano que envolveu reféns. A Polícia Civil classificou o crime como “um trabalho de amadores”.

As outras três foram uma tentativa de explosão a uma agência do Bradesco em Porto Seguro, no dia 9 de abril, no extremo sul, e outras duas tentativas de assalto, uma à Caixa, em 11 de fevereiro, na avenida Paralela, em Salvador, e outra numa agência não identificada, dia 21 de janeiro, no bairro da Liberdade, também na capital baiana.

Nesta terça também ocorreu outra ação criminosa em agência bancária na Bahia. Em Barro Preto, no sul do estado. Seis bandidos em dois carros explodiram a agência do Bradesco (única agência bancária da cidade) durante a madrugada e levaram o caixa eletrônico do local, que também era o único que havia por lá.

Durante a fuga, os bandidos incendiaram um dos carros usados na ação, nas proximidades do trevo da cidade de Itapé, a 19 km de Barro Preto.

É no município de Itapé, inclusive, que fica a agência Bradesco mais próxima da cidade. É para lá que os moradores devem se dirigir para obter serviços bancários. Procurado, o Bradesco não se manifestou sobre o assunto e não informou quando a unidade de Barro Preto voltará a funcionar.

Por meio de nota, a Polícia civil disse que não há informações da quantia roubada e que ninguém ficou ferido. Acrescentou ainda que moradores relataram ter ouvido explosões e barulhos de tiro durante a ação.

Para a Febraban, bandidos têm acesso fácil a explosivos
Em comunicado enviado ao CORREIO, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) declarou que, para combater crimes como o ocorrido em Muritiba, é preciso, primeiro, impedir que “os bandidos tenham acesso fácil a explosivos”.

“Em segundo lugar, desbaratar as quadrilhas, o que se faz com ações de inteligência. Em terceiro lugar, dificultar o acesso dos bandidos ao produto do crime”, diz a nota da federação.

Segundo a entidade, os bancos investem cerca de R$ 9 bilhões por ano no aprimoramento da segurança, o triplo do que era gasto há 10 anos. Esse investimento tem dado resultado, de acordo com a federação.

Além disso, a federação diz que atua em parceria com governos, polícias e poder judiciário, propondo novos padrões de proteção, muitos deles resultantes dos trabalhos desenvolvidos na Comissão de Segurança Bancária da Febraban.

Um levantamento feito com 17 instituições financeiras que respondem por mais de 90% do mercado bancário mostra que, em 2018, foram registrados 171 assaltos e tentativas de assaltos a agências de bancos no Brasil. O total é 21% menor se comparado a 2017 (217 casos) e inferior ao ano 2000, quando houve 1.903 ocorrências, segundo a Febraban.

Ao longo de mais de uma década, os bancos adotaram uma série de medidas preventivas para contribuir com a redução dos assaltos. “Instalaram cofres com dispositivo de tempo, circuitos fechados de televisão (CFTV), sistemas de detecção e de monitoramento, alarme etc”, segundo informou a federação.

A Febraban não soube dar estimativas de prejuízo em 2019 com assaltos a bancos e explosão de caixas eletrônicos.