Stella Thainá, de 27 anos, é a primeira policial militar trans do estado de Pernambuco. Na infância, sua maior diversão era brincar com carrinhos de polícia. De origem humilde, Stella sempre demonstrou interesse pela profissão e, ao longo do tempo, foi construindo seu caminho até a realizar.
Filha da empregada doméstica Leda Silva, Stella foi abandonada pelo pai biológico ainda no primeiro ano de vida. Aos três anos, ganhou um padrasto, Gabriel, que se tornou seu principal incentivador para seguir o caminho profissional que desejava.
Em 2017, durante um assalto ao Centro de Abastecimento e Logística de Pernambuco (Ceasa), Gabriel foi baleado na cabeça e passou a viver com parte do corpo paralisado. Apesar das dificuldades financeiras, Stella recorda que sua vida familiar era feliz.
Na infância, além de brincar com o carrinho da Polícia Militar, Stella se divertia escondida vestindo as roupas da mãe e correndo para se olhar no espelho. “Eu me sentia muito mal comigo mesma. Não conseguia me entender. Desde nova, eu sabia que gostava de meninos”, conta Stella, que admirava atrizes e modelos que via em revistas e na TV.
“Eu pensava: ‘Ela é tão linda, eu quero ser ela’. Não era tipo menino querendo alguém, era o desejo de ser como aquela mulher.”
Triste com sua autoimagem, aos 13 anos Stella desejou ter um câncer no pênis para que o órgão fosse removido. Com o tempo, compreendeu que não se identificava com o gênero que nasceu e decidiu que queria iniciar a transição. Aos 20 anos, começou o tratamento hormonal, incentivada pelo padrasto.
“Hoje me vejo melhor no espelho. Sou a realização de um sonho pessoal. Vivo plenamente feliz comigo mesma”, diz Stella.
“A mulher que me tornei vai muito além do exterior”, acrescenta. “Muitas pessoas me olham e dizem que nem pareço uma mulher trans. Falam isso como elogio. Tenho uma grande passabilidade, então consegui entrar em vários meios da vida social sem que as pessoas percebessem.”
Passabilidade se refere à capacidade de uma pessoa trans ser socialmente reconhecida como do gênero com o qual se identifica. “Mas a mulher que me tornei se refere à segurança de ser quem eu sou, de ter minha identidade, saber onde posso chegar e ser mais confiante. Eu sou uma mulher que realmente vive a sua verdade. O mais importante para mim é viver quem eu sou”, destaca.
Apesar do desejo de ingressar na corporação, Stella enfrentou preconceito, pois até pouco tempo candidato trans eram proibidos de participar dos concursos da Polícia Militar. Em 2010, um homem trans foi aprovado após se inscrever como mulher. Na época, os editais previam a eliminação de candidatos transexuais com base em patologias presentes na Classificação Internacional de Doenças (CID-10) da OMS.
Em 2016, um novo concurso para 1,5 mil vagas voltou a excluir pessoas transgênero. Dois anos depois, a OMS retirou a transexualidade da lista de doenças e distúrbios mentais, e o governador de Pernambuco determinou a retirada do trecho discriminatório dos editais.
Diante desse histórico, Stella, agora a primeira mulher trans e primeira pessoa trans a ingressar na corporação com identidade de gênero reconhecida, teve receio de como seria recebida.
“Isso me gerou muito receio, porque a expectativa da dor é sempre pior que a dor. E eu sou meio pessimista, fico com o pé atrás”, comenta.
No entanto, Stella diz que, apesar do medo do preconceito, encontrou apoio durante o curso de formação. “Desde o começo, percebi que não era nada daquilo que eu pensava. O machismo e o preconceito existem, mas não é algo institucional. Fui muito bem recebida”, avalia.
HISTÓRICO! Conheça a primeira policial militar trans: “Vivo quem eu sou”
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