Narcoterrorismo no Brasil? O que muda se PCC e CV forem tratados como grupos terroristas

A proposta que pode transformar facções criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) em organizações terroristas está prestes a ser votada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. O Projeto de Lei nº 1.283/2025, de autoria do deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), propõe alterar a Lei Antiterrorismo de 2016 para incluir grupos que exercem “domínio, controle social e poder paralelo ao Estado”.

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A votação, inicialmente marcada para terça-feira (4), foi adiada para esta quarta (5) após pressão do governo federal, que defende a tramitação de outro texto, o PL Antifacção, enviado pelo Executivo. A justificativa oficial foi o conflito de horário com a Ordem do Dia no plenário.

O debate ganhou força após a megaoperação nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, que resultou na morte de 121 pessoas. Parlamentares da direita passaram a defender um alinhamento ideológico com a agenda dos Estados Unidos.

O presidente estadunidense, Donald Trump, chegou a propor que cartéis mexicanos fossem classificados oficialmente como grupos terroristas, o que permitiria operações militares americanas em solo estrangeiro.

Segundo o The Washington Post, em nota ao Congresso, seu governo chegou a afirmar que os cartéis configuram “conflito armado não internacional” contra os EUA, para justificar operações militares e sua designação como “combatentes ilegais”.

O que muda com a aprovação

Se o projeto for aprovado, crimes cometidos por facções como PCC e CV passariam a ser considerados terrorismo, o que implica em penas mais severas, regime fechado mais longo, e impossibilidade de anistia ou fiança. “O terrorismo, equiparado aos crimes hediondos, são insuscetíveis de graça, anistia e requerem fração de cumprimento de pena maior para a progressão de regime”, explica o advogado criminalista Leonardo Massud, professor da PUC-SP ao Uol.

Além disso, os processos seriam transferidos para a Justiça Federal, e a atuação das Forças Armadas poderia ser ampliada. Segundo Patrícia Piasecki, coordenadora da pós-graduação em Ciências Penais da PUC-PR, “as formalidades que existem hoje para acionar leis excepcionais deixam de existir”. Também em entrevista ao Uol, ela destaca que, nesse cenário, o governo estadual não precisaria mais comprovar a necessidade de intervenção militar.

Riscos jurídicos e diplomáticos

Apesar do apelo popular por medidas mais duras, especialistas alertam para os riscos da proposta. Patrícia Piasecki afirma que a classificação de facções como terroristas pode abrir brechas para interferência internacional. “É preciso muita cautela quanto à violação da soberania nacional”, diz. Como o terrorismo é considerado crime de lesa-humanidade, países estrangeiros poderiam se sentir autorizados a agir em território brasileiro.

Massud também critica a proposta, apontando que a legislação atual já possui lacunas, mas que isso não justifica a equiparação. “O objetivo das facções é financeiro. O terrorismo tem motivações ideológicas, políticas ou religiosas. São fenômenos distintos”, afirma. Ele acredita que a nova legislação não traria impacto real no combate ao crime organizado.

O jurista e professor do direito Walter Maierovitch enfatizou que crime organizado e terrorismo são fenômenos distintos e que é preciso diferenciar método terrorista de terrorismo. “As pessoas não técnicas fazem confusão em distinguir terrorismo com método terrorista. Por exemplo, um vizinho, depois de desavença, joga uma bomba na casa do litigante. Isso é método terrorista e não terrorismo. No direito internacional, a distinção é feita e existe a Convenção das Nações Unidas que contempla o crime organizado”, afirmou à reportagem da Agência Brasil.

Já coordenadora do núcleo de estudos de terrorismo e crime transnacional da PUC Minas Rashmi Singh explicou à agência que o aumento do número de grupos/indivíduos designados como terroristas pelos EUA tem legitimado ações políticas e militares norte-americanas no mundo.

“Isso resultou não apenas na invasão ilegal do Iraque em 2003 (ação que levou ao surgimento da Al-Qaeda no Iraque, que não existia antes da invasão, e ao surgimento do que ficou conhecido como Estado Islâmico), mas também no surgimento de centros de detenção secretos e prisões sem julgamento e, em muitos casos, sem provas em prisões como Guantánamo”, disse a especialista.

O projeto do Governo Lula

O governo federal quer apertar o cerco contra o crime organizado. O Projeto de Lei 5582/25, enviado pelo Executivo à Câmara dos Deputados, propõe mudanças duras na legislação penal. O texto cria a figura da “facção criminosa” e aumenta penas para quem promove, financia ou integra esses grupos.

Segundo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o enfrentamento às facções exige união entre os poderes. “Diferenças políticas não podem ser pretexto para que deixemos de avançar”, disse.

O que muda com o projeto

– Facções passam a ser tratadas como organizações criminosas qualificadas.
– Penas vão de 8 a 15 anos para quem integra ou financia esses grupos.
– Homicídios ligados a facções podem render até 30 anos de prisão.
– Crimes cometidos com participação de menores, uso de armas restritas ou ligação com outras facções terão penas aumentadas.

Investigação mais ampla

– Colaboradores poderão ser infiltrados, não só policiais.
– Empresas privadas poderão ajudar nas investigações.
– Juízes poderão autorizar acesso a dados de localização e conexão.
– Compras e pagamentos feitos por suspeitos poderão ser rastreados.

Combate ao poder econômico
– Bens usados por facções poderão ser apreendidos.
– Empresas ligadas ao crime poderão sofrer intervenção judicial.
– Réus condenados ficarão 14 anos sem poder contratar com o governo.

Controle da comunicação
– Visitas em presídios poderão ser monitoradas.
– Até conversas entre advogados e presos poderão ser fiscalizadas, se houver suspeita.
– Presos poderão ser transferidos sem autorização judicial em caso de rebelião.

O projeto ainda prevê a criação do Banco Nacional de Facções Criminosas e reforça a cooperação internacional, sob coordenação da Polícia Federal. A proposta está em análise na Câmara e é considerada prioridade pelo governo.