Assaltos a ônibus crescem mais de 50%¨em oito bairros de Salvador; Pernambués lidera.

Aumento foi superior a 50% no primeiro semestre.

Pernambués teve 76 casos de assalto registrados em 2019.

Ainda trêmulo e com a voz embargada, o motorista A.M, 43 anos, tentava relatar a experiência a um policial civil na manhã desta sexta-feira (28). “Ela tirou da bolsa a pistola e começou a bater no torniquete dizendo: ‘Tá vendo motorista? Não é de brinquedo’. A arma trincava com as pancadas. Era verdadeira (arma)”, relatou ele, visivelmente nervoso, em uma das poltronas do Grupo Especial de Repressão a Roubos a Coletivos (Gerrc). O assalto relatado aconteceu por volta das 9h desta sexta-feira (28), no bairro de Pirajá.

No primeiro semestre deste ano, os roubos em coletivos cresceram 0,3% em Salvador, mas em mais oito bairros da cidade o aumento no número de ocorrência superou a casa dos 50%, de acordo com dados disponibilizados pelo Sindicato dos Policiais Civis da Bahia (Sindpoc). “A migração para os bairros é pelo fato do maior policiamento ostensivo nos chamados corredores, vias de maior fluxo de veículos, como Paralela, Bonocô. Então, os bandidos estão optando pelos bairros mais afastados, onde o policiamento ostensivo, feito pela Polícia Militar, é mais reduzido”, explicou Eustáquio Lopes, presidente do Sindpoc.

Ele disse que, apesar das limitações estruturais, policiais civis têm conseguido resultados satisfatórios. “Mesmo com efetivo pequeno, estamos conseguindo identificar e elucidar os casos. Graças aos últimos concursos, temos hoje no quadro funcional engenheiros, arquitetos, analista de sistema, profissionais que estão utilizando suas formações para o trabalho de inteligência. Precisamos recompor o efetivo para trazer melhores resultados para população”, declarou Lopes. A Polícia Civil tem hoje 7 mil servidores – o ideal seriam 11 mil.

Para o Sindicato dos Rodoviários da Bahia o aumento nos crimes é perceptível. “Apesar da atuação do GERRC, inegavelmente a gente sentiu o aumento. O roubo não é setorizado, acontece em toda a cidade, seja bairro periférico ou não. O estado não é garantidor universal e os rodoviários que ficam em perigo. É uma das profissões mais estressantes”, afirma Pedro Celestino, diretor júridico adjunto e advogado da entidade. Para o representante, os assaltos acabam se tornando um dos principais motivos que afetam negativamente os profissionais. “Tem muito profissional que passa por estresse pós traumático, que tem depressão, que precisa até se afastar do trabalho”, conta.

Para buscar uma mudança no cenário, Celestino explica que o órgão sindical tem acionado as autoridades responsáveis. “O sindicato tem cobrado da secretária de segurança, da policia, de quem tem essa responsabilidade de garantir a segurança não só dos rodoviários mas também dos usuários. Tem que haver mais ações preventivas, abordagens nos pontos e aos ônibus. Isso parou e é uma falha”, opina.

Campeão

O campeão de ocorrências é o bairro de Pernambués, que acumula 76 casos entre janeiro e 23 de junho. No ano passado, foram 44 no mesmo período, o que representa 32 casos a mais e um crescimento de 72,7%. “Isso porque no entorno do bairro tem o Shopping da Bahia, Shopping Bela Vista e Salvador Shopping, que são três grandes centros comerciais, a estação rodoviária e duas estações do metrô. Com tudo isso, se tem um fluxo imenso de pessoas, o que desperta a atenção dos criminosos”, disse o policial civil Paulo Braga, investigador do Gerrc.

Os dados mostram que a região que teve o maior aumento no percentual de ocorrências foi o bairro de Amaralina, que saltou de 13 para 32 assaltos, o que significa um aumento de 146,2%, seguido do Caminho das Árvores, com um aumento de 125% (pulou de 16 para 36 ocorrências). “A primeira situação, Amaralina, diz respeito a um trecho de 1 quilômetro, a Avenida Visconde de Itaboray. Os bandidos anunciam o assalto no início da via e antes do fim dela descem e vão para a região do Nordeste de Amaralina. Estamos trabalhando lá. Já a segunda situação, o Caminho das Árvores é uma questão de aproximação com a região de grande fluxo, como a Avenida Tancredo Neves”, explicou Braga.

O bairro vice-campeão em ocorrências é o Granjas Rurais Presidente Vargas, com 42 casos registrados de janeiro deste ano até o dia 23 de junho. No ano passado, no mesmo período, foram 27 casos – houve um crescimento de 55%.

No campo oposto, Plataforma (-41,9%), Bom Juá (-29,6%), Rio Vermelho (-28,1%), São Caetano (-15,4%) e Brotas (-14%) estão entre os locais onde houve quedas no número de ocorrências.

Na manhã desta sexta (28) , o CORREIO esteve no Gerrc e encontrou A.M, motorista da empresa Integra Plataforma, que trabalha na linha Conjunto Pirajá X Estação Pirajá. Ainda sob o efeito do susto de ter uma arma apontada para si por uma mulher, que agiu sozinha no assalto, ele disse: “Nunca ia imaginar que uma mulher fosse tão agressiva assim. Ela dizia que ia atirar se não desse o dinheiro. Levou do cobrador R$ 28 e de uma moça, R$ 5. A moça ainda levou uma coronhada”, contou o motorista.

“Talvez estejamos de frente de algo pontual. Uma mulher agir sozinha é muito raro. Normalmente, elas assaltam na companhia de homens ou fazem apenas a coleta. Não lembro de outro caso tipo a esse”, comentou Braga, que, em seguida, pegou informações específicas da mulher, como altura, tatuagens, sinais, sotaque.

Braga disse que tem notado o crescimento no registro da ação de bandidos de outras cidades em Salvador. “Conseguimos recuperar alguns celulares em Simões Filho e Candeias. Isso porque os criminosos acham que roubar fora de suas cidades dificulta a localização deles, o que não é verdade. A prova disso são as prisões”, contou Braga.

Uma das prisões resultou na recuperação do celular da estudante de enfermagem M.B, 26. Ela foi assaltada por uma dupla em fevereiro deste ano na Avenida Luís Eduardo Magalhães. “Quando os vi, comecei rapidamente a desmontar o aparelho ainda dentro da bolsa, mas eles viram logo a menina que estava ao meu lado ouvindo música no celular e a abordaram. Em seguida, pegaram também o meu aparelho”, contou ela, na manhã desta sexta, logo após chegar ao Gerrc para agradecer pessoalmente os agentes por terem recuperado o celular em Simões Filho três meses depois – ela formalizou o elogio na Ouvidoria Geral do Estado Bahia.

Ainda de acordo com o investigador, existem três períodos durante o dia onde estão concentrados o maior número de assaltos em coletivos. Pela manhã, entre 6h e 8h. “É a hora que todo mundo sai de casa para ir trabalhar”, disse Braga. Outro horário é entre 12h e 14h. “Normalmente é quando há uma redução do policiamento ostensivo resultado do horário de almoço dos policiais”, comentou. O terceiro e último período de maior concentração de roubos a coletivos é entre 18h e 20h. “Ocasião em que as pessoas estão retornando para suas casas”, concluiu.

Segurança pública
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública informa que os dados apresentados pelo sindicato são “inverídicos e distantes da realidade”. “Lamenta que o órgão, disseminando essas inverdades, deixe de valorizar o trabalho incansável dos policiais civis lotados no Grupo Especial de Repressão a Roubos em Coletivos (Gerrc). A SSP ressalta ainda que o índice de roubos a ônibus teve queda de 20% em 2018, na comparação com o ano anterior e que, em 2019, até maio, a diminuição foi de aproximadamente 1%. Por fim, destaca que as ações investigativas e ostensivas continuam sendo realizadas pelo Gerrc e pela Operação Gemeos da PM”, diz nota enviada ao CORREIO.

Por sua vez, a Polícia Militar também enviou uma nota informando que “realiza o trabalho preventivo e repressivo de forma ostensiva durante 24 horas em toda cidade. Cada unidade é responsável por uma determinada região e conta com o apoio de especializadas como a Rondesp, Operação Gêmeos, Operação Apolo e Esquadrão Águia. Faz parte do trabalho preventivo as abordagens em pontos de ônibus e passarelas realizadas por policiais militares das unidades correspondentes ou especializadas. O policiamento é empregado conforme o fluxo de pessoas e com base nas ocorrências registradas. Vale ressaltar que as ações policiais contam com o sistema de reconhecimento facial da Secretaria da Segurança Pública (SSP), através das imagens geradas pelas câmeras integradas, localizadas em algumas das principais vias da cidade que ajudam na identificação de criminosos”, diz nota.

O documento da PM enviado ao CORREIO informa ainda que “ a Operação Gêmeos, unidade especializada no combate a roubo em coletivos, tem desenvolvido constantes abordagens preventivas em pontos de ônibus e nos coletivos. As ações se baseiam ainda nos horários, linhas e locais registrados nas delegacias pelos usuários que foram vítimas de assalto. Portanto, a PM ressalta a importância do cidadão efetuar o registro na delegacia, já que a corporação trabalha em parceria com a Polícia Civil, responsável pela investigação dos crimes”.

Bairros com aumento de assaltos
Pernambués
Granjas Rurais
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São Cristóvão
Caminho das Árvores
Amaralina
Retiro
Itapuã