Desde 2020, com a ascensão do Comando Vermelho (CV) na Bahia, os conflitos entre as organizações criminosas foram ainda mais acirrados em Salvador. Moradores acuados e mantidos em cárcere privado, madrugadas de confrontos diários e quase intermináveis, ônibus incendiados e escolas suspensas e muitas vidas ceifadas. Mas nesse primeiro semestre do ano, Fazenda Grande do Retiro e Paripe são os bairros da bala. Segundo o Instituto Fogo Cruzado (IFC), ambos são os mais violentados da capital.
Dea cordo com o estudo, a Fazenda Grande do Retiro é o primeiro em número de pessoas baleadas: foram 25 vítimas, sendo que 20 morreram. Já Paripe, no Subúrbio, amarga a liderança na quantidade de tiroteios: 24 episódios. “Temos situações em diversos bairros da cidade e em determinado período pode se acentuar em determinadas regiões. Esses devem ser os bairros em que se deve priorizar os investimentos para a prevenção da violência. A resposta que tem sido dada normalmente é o incremento da ação policial, mas ela não resolve o problema. É fundamental que haja ações robustas do Estado em promover oportunidades, no sentido de garantir direitos e retirar a população desse fogo cruzado”, pontua o cofundador e coordenador executivo da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, o sociólogo Dudu Ribeiro, integrante da rede de Observatórios de Segurança. A Iniciativa Negra é uma parceira do IFC na Bahia.
Além de serem os primeiros de cada ranking no levantamento do IFC, os dois bairros conflagrados têm um outro ponto em comum: o tráfico de drogas é controlado pelo Bonde do Maluco (BDM), principal concorrente do CV.
“Se há tiroteios nessas áreas é porque uma outra facção está querendo tomar ou reaver a região ou então são por outras razões, como débito com o narcotráfico ou os faccionados podem entender que alguém está funcionando como ‘x-9’ (informante da polícia), mas na maioria das vezes é pelo fato de não estar consolidado esse controle territorial da área”, explica o especialista em segurança pública o coronel Antônio Jorge, do curso de Direito do Centro Universitário Estácio FIB da Bahia.
Os dados fazem parte de um levantamento realizado entre os dias 01 de janeiro e 30 de junho, em Salvador e Região Metropolitana (RMS). Segundo o IFC, dos 19 confrontos em Fazenda Grande do Retiro, 12 foram resultados de ações policiais.
Moradores ouvidos pela reportagem disseram que as trocas de tiro acontecem principalmente no final de linha, onde o fundo dá para o Marotinho, localidade de Bom Juá, onde o tráfico é comandado pelo Bonde do Ajeita. “Eles saem de lá e vem pra cá e isso aqui vira uma praça de guerra. Eles veem subindo, atirando e o pessoal daqui vai revidando. E a polícia, quando chega, já vem pipocando tudo”, conta um senhor, que reside há mais de 45 anos no bairro. “É realmente complicado. Eles trocam bala quase que todo dia e a gente é quem paga o pato (levar a culpa) . Tem dia que ninguém põe o pé na rua, porque eles estão em guerra. Quando chega a ‘chocolate’ (apelido dado devido à cor da viatura da Rondesp), é atirando para todos os lados, não quer saber se tem inocente por perto”, complementa uma jovem, que mora e trabalha região.
De acordo com o coronel Antônio Jorge, o emprego das armas por parte dos policiais é uma reposta ao ataque do tráfico. “Quando você tem um cenário desse, de facções se confrontando, as forças de segurança têm que agir e, infelizmente, haverá baixas em algumas situações, até porque, essas organizações não se intimam mais com a presença da polícia”, argumenta o coronel.
Mas na visão de Dudu Ribeiro, a forma de atuação da polícia tem que ser repensada. “Esse é um padrão que nós temos observado, de pouco mais de um ano de funcionamento do Fogo Cruzado. Isso nos mostra que o próprio Estado tem levado situações de risco para as comunidades, é o que os tiroteios representam, e isso impõe a necessidade de repensar os protocolos de atuação do uso da força, que devem sempre priorizar a vida da população”, opina Ribeiro.
Além de Fazenda Grande do Retiro, outros quatro bairros encabeçam a lista de regiões onde mais pessoas foram baleadas no primeiro semestre deste ano. São eles: Paripe, com 23 baleados em 24 tiroteios – 18 morreram; IAPI, com 19 feridos em 15 confrontos – 12 não resistiram; Pero Vaz, com 18 atingidos em 20 trocas de tiros – 14 vieram a óbito e São Cristóvão com 18 baleados em 22 confrontos – não houve sobreviventes.
Paripe
Nem sempre a quantidade de mortos significa que aquela região é a mais conflagrada. Pois bem, ainda de acordo com IFC, quando a pesquisa se refere ao número de tiroteios na capital e na RMS, o bairro de Paripe ocupa a primeira posição, com 24 ocorrências. Dentro deste recorte, ocorreram seis ações policiais. Ou seja, a predominância dos confrontos é do crime organizado.
“Nós estamos num momento intenso de disputas das organizações ligadas ao tráfico de armas e drogas, frente à sua própria reorganização geopolítica, intensificado os conflitos. Ou seja, isso não é uma característica de um grupo específico e essa falta de regulação das drogas, impõe que esses entorpedentes sejam controlados pela violência dessas facções”, pontua Dudu Ribeiro.
Desde o início do ano, integrantes do CV intensificaram os ataques nas regiões de maior atuação do BDM no Subúrbio, como Periperi, Rio Sena, Alto de Coutos e Paripe, onde, em 23 de abril, Leonardo da Silva, de 19 anos, foi retirado de casa e executado na Rua Porto Santo.
Mas segundo os moradores, um outro ponto crítico do bairro e está na região da Cocisa, mais precisamente no entorno do Cemitério Municipal de Paripe. Lá, estão as comunidades de Barro Amarelo e Canaã, ambas do BDM. “Quando precisam, se juntam contra o grupo de duas letras (CV), mas às vezes se estranham. Muito antes de pertencerem a outra facção (BDM), já havia uma antiga das duas localidades e que dura até hoje”, disse o um morador.
Além de Paripe, os bairros que registraram mais disparos de arma de fogo são: São Cristóvão, com 22 registros, sendo 18 mortos; Pero Vaz, com 20 ocorrências, tendo 14 óbitos em 18 baleados; Valéria, com 20 confrontos, que resultaram 16 mortes em 17 pessoas atingidas; e Fazenda Grande do Retiro, que teve 19 troca de tiros, com 20 óbitos em 25 baleados.
Posicionamentos
A reportagem procurou a Secretaria de Segurança Pública (SSP), Polícia Civil (PC) e a Polícia Militar (PM), para repercutir os dados do Instituto Fogo Cruzado, mas até o momento não houve resposta.
Jornal Correio da Bahia