Com o avanço da vacinação da covid-19 para o público sem comorbidades, que coincide com a véspera dos festejos de São João, as pequenas cidades do interior baiano têm passado a receber ex-moradores. Essa migração recente tem um objetivo em comum: todos têm recorrido às terras de origem para conseguir se vacinar mais cedo.

Ainda nesta semana ou na próxima, Laura Costa* (nome fictício), 41, viajará de Feira de Santana — a segunda maior cidade do estado —, onde vive, para se vacinar em seu município de origem, um lugarzinho de cerca de 15 mil habitantes, onde tem família. Enquanto em Feira a idade mínima para tomar a vacina está em 53 anos, na cidadezinha já é 41 anos.

É pelas redes sociais e também através de conversas com parentes e amigos que Laura acompanha as faixas etárias liberadas pelas prefeituras. Para ela, o ritmo de imunização em Feira está ‘normal’, uma vez que a metrópole tem grande número de habitantes, mas como conseguirá receber a injeção mais cedo na terrinha, não quer desperdiçar a oportunidade. “Já comprei até roupa para esse grande evento!”, diz ela, que prefere não se identificar.

Ainda segundo a fonte, sua preocupação é proteger a si mesma, sua família e os demais, e afirma que não sente constrangimento em buscar logo essa proteção.

“A vacina nos dá esperança de tentar voltar a um novo normal. Oro para que todos possam ser protegidos urgentemente. A vacinação no país segue em ritmo lento, pois esse governo genocida não tem o mínimo de respeito e confiança na ciência”, completa.

Como algumas prefeituras exigem apenas documentos como título de eleitor, cartão SUS e comprovante de residência para comprovar vínculo com a cidade, pessoas que vivem na capital e nas metrópoles acabam conseguindo se vacinar.

A epidemiologista Carla Domingues, ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunização (PNI), explica que, embora o SUS seja universal e a pessoa tenha o direito de ser atendida em qualquer unidade, esses deslocamentos são muito prejudiciais, basicamente por quatro razões:

1. Viajar continua sendo arriscado
2. A busca no interior prejudica os nativos
3. Bagunça todo o planejamento do estado e prefeituras
4. Dificulta saber qual o efetivo sucesso da vacinação em cada lugar

Ou seja, não é ilegal, mas atrapalha demais as cidadezinhas.

“Nós temos que lembrar, ainda, que não estamos falando de uma única dose, são duas doses, então a pessoa vai ter que depois, possivelmente, voltar para tomar a segunda dose”, lembra Domingues.

Prevendo possíveis descolamentos no período junino, o governo estadual suspendeu o transporte rodoviário intermunicipal, lanchas e ferry boats entre os dias 21 a 28 de junho. Não houve proibições de fluxo para carros de passeio.

A epidemiologista ilustra o prejuízo que acontece na prática: se você se desloca para outro município, você vai afetar a população que mora nele e, ao mesmo tempo, vai fazer faltar doses no município que você saiu, quando chegar a sua vez.

“A gente precisa que as pessoas sejam vacinadas onde elas moram porque aí que vai poder avaliar o sucesso da vacinação”, argumenta ela. Só dessa forma as prefeituras terão uma ideia real da cobertura vacinal — que nada mais é do que o percentual exato de população vacinada.

Como é feita a distribuição?

Domingues explica, ainda, que o Ministério da Saúde faz o envio de doses para os estados conforme a quantidade de população-alvo, como por exemplo, idosos de determinada faixa etária, trabalhadores da educação, quilombolas, indígenas, forças de segurança. O cálculo para essa distribuição é feito a partir de bases de dados públicos, como IBGE, Datasus, enfim.

Chegando nos estados, as doses são repartidas para os municípios, mas fazendo ajustes para a realidade local. Um destes ajustes, por exemplo, foi determinado na quinta-feira, 17 de junho. A Bahia não vai mais seguir a vacinação por grupos prioritários, o critério agora é exclusivamente por idade, mantendo apenas gestantes, puérperas e novos trabalhadores da saúde.

De acordo com o secretário estadual de Saúde, Fábio Vilas-Bôas, os critérios do ministério estavam provocando “assimetrias” entre as cidades, como os casos de municípios que imunizaram 80% da sua população e outros com apenas 20%. Com essa decisão, a ideia é equalizar os percentuais de vacinação em todo o estado. À medida que a vacinação for avançando, a tendência é diminuir essas assimetrias.

A secretaria estadual garantiu que nenhuma cidade precisará ficar estacionada em uma faixa etária. No entanto, as que estão mais avançadas na cobertura de vacinação receberão menos doses do que antes.

Essa determinação já começou a valer e foi celebrada pelo secretário municipal de Saúde de Salvador, Léo Prattes, que fez uma ressalva. “O princípio do SUS é equidade: mais para quem precisa de mais e menos para quem precisa menos. É preciso ser justo!”, disse.

O lote mais recente enviado pelo Ministério da Saúde para a Bahia foi de 183,9 mil doses de Pfizer, remetidas na sexta, 18 de junho. Com esta carga, o estado chega a pouco mais de 7 milhões de doses de vacinas recebidas — das quais mais de 4,2 milhões foram aplicadas.

O que explica o avanço de algumas cidades?

Noticiamos, na última semana, duas pequenas cidades que divulgaram a vacinação para o público sem comorbidades a partir de 25 anos: Filadélfia e Bonito, ambas com cerca de 16 mil habitantes.

Formada por 15 comunidades quilombolas, o equivalente a quase toda a sua zona rural, Bonito conseguiu rapidamente baixar a idade de vacinação justamente por conta disso, já que este público é prioritário e foi logo incluído nas primeiras doses da campanha.

Tal como o Brasil, a Bahia é complexa, não dá para generalizar. Muitas falsas impressões acabam sendo criadas, fazendo parecer que uma cidade está mais avançada do que a outra, quando, em alguns casos, o maior percentual de pessoas imunizadas neste lugar tem a ver com especificidades da população.

De qualquer maneira, na avaliação de Carla Domingues, que tem décadas de experiência à frente do PNI, municípios que estão vacinando pessoas com 25 anos sem comorbidades não deveriam estar recebendo vacinas neste momento porque, enquanto isso, há cidades com público mais vulnerável, como pessoas de 50 anos ou mais que ainda não receberam o imunizante.

É o caso de Salvador, que, nesta semana, por falta de novas doses precisou parar a vacinação por idade — que estava nos 51 anos. Com as doses antecipadas da Pfizer, retomou e baixou para 49.

“Deveriam distribuir as doses para municípios que estão com população com idade mais elevada. Esse planejamento tem que ser feito, não é só ir baixando a idade. O município interrompe por um momento e intensifica-se onde está atrasado. Esse planejamento é fundamental porque o risco de adoecimento grave e óbito ainda é maior na população acima de 50 anos. Não adianta baixar sendo que é esse público que vai lotar hospitais”, argumenta.

As cidades que têm maior população público-alvo da campanha têm mais facilidade de baixar logo a idade. As que não têm, ficam, digamos assim, presas. Mas, à medida que os grupos prioritários vão sendo imunizados, pessoas mais jovens vão sendo cada vez mais contempladas.

Coordenadora do Programa Estadual de Vacinação, Vânia Rebouças diz que a grande maioria dos municípios baianos está com a vacinação por idade na faixa dos 50 anos. Ela admite que, de fato, há alguns casos pontuais de cidades que ‘avançaram’ mais rápido do que outras, mas o estado fica monitorando para fazer ajustes. Algumas dessas situações ocorrem, inclusive, por problemas de desatualização do censo populacional.

Vânia cita um caso específico de uma cidade que tinha 20 mil quilombolas cadastrados e recebeu 20 mil doses destinadas a esse público, mas usou apenas 12 mil e, com as 8 mil restantes, começou a baixar a idade de vacinação para a população geral. O Estado, então, interviu e bloqueou o envio de doses para lá porque as vacinas deveriam estar sendo usadas em público vulnerável e não em pessoas sem comorbidades.

É por causa de exemplos como esse que Carla Domingues defende que deveria haver uma orientação nacional para que as prefeituras fizessem um pré-cadastro dos cidadãos, e pondo como determinação a vacinação por município de residência.

“Se o dado do IBGE estiver desatualizado, mas você tem a população cadastrada com RG, CPF e endereço, a prefeitura tem como justificar: ‘Olha, você tá dizendo que a população é 1 mil, mas eu tenho aqui 1,3 mil cadastrados’. O pré-cadastro organiza a vacinação. Se a gente pensar que a maioria dos nossos municípios têm nossa população cadastrada no programa Saúde da Família, isso não deveria estar acontecendo. Se conhecemos nossa população, sabemos quem temos que vacinar”, finaliza ela.

Seis motivos de por que não vale a pena viajar para tomar vacina no interior

Fazer viagens continua sendo arriscado. Além do mais, neste período de São João é esperado um aumento no número de casos de covid-19 e estamos na iminência de uma terceira onda no país.

A busca por doses no interior prejudica os nativos, que correm o risco de ficar sem a vacina porque você tomou, e ainda fez sobrar no local onde você mora.
Você bagunça todo o planejamento e estratégia feitos pelo estado e pelas prefeituras, sobretudo as das pequenas cidades, que já possuem pouca infraestrutura. Desse jeito, fica difícil ter controle e saber a real porcentagem da população vacinada.
É preciso lembrar que praticamente todas as vacinas, exceto a Janssen, precisam de duas doses. Isso significa que, possivelmente, você teria que viajar de novo para poder tomar a segunda dose.
Uma nova determinação instituiu o critério de vacinação na Bahia exclusivamente por idade, excetuando apenas grávidas, puérperas e novos trabalhadores da saúde. Com isso, a ideia é corrigir as diferenças de idades mínimas entre as cidades. A medida já começou a valer e, logo, os municípios estarão com idades bem próximas.
Grandes especialistas em imunização têm pedido que as pessoas se vacinem onde moram para ajudar na organização da campanha no país. Pessoas mais jovens vão sendo contempladas cada vez mais, à medida que grupos prioritários forem vacinados. Cuide-se e vacine-se quando chegar a sua vez!

Jornal Correio da Bahia