Mais de 700%. O número é de assustar, sobretudo, quando se descobre que ele representa o crescimento de casos da chikungunya em Salvador, comparado a 2019. Considerando os casos até o início de maio de 2020, a região entre o Rio Vermelho e a Pituba é a mais afetada. Foram 25 casos da doença registrados no ano passado, contra 281 neste ano – aumento de 1024%.

Considerando toda a capital, o aumento chega a 741,5%, já que os números registram 2188 neste ano contra 260 do ano anterior. Para as demais doenças causadas pelo mosquito aedes aegypti, o aumento também foi expressivo, porém menor se comparado aos da chikungunya. O crescimento registrado foi de 407% para a zika e 169,7% para a dengue.

Para os especialistas, a maior razão para o aumento de casos está ligada aos hábitos do próprio mosquito que, aliados à mudança de hábitos causada nas pessoas pelas medidas de isolamento social, podem ter causado cenário propício. “Estamos tendo um período de muita chuva e calor, o que é  propício para a proliferação do mosquito, Além disso, com o foco no coronavírus, as pessoas podem estar perdendo o cuidado com os focos de criação do mosquito’, explica a infectologista Clarissa Ramos.

Gráficos mostram a evolução dos casos de Chikungunya em Salvador

A profissional destaca ainda uma característica da própria chikungunya que pode acabar contribuindo para que os números aumentem. Das três doenças transmitidas pelo mosquito, a chikungunya é que apresenta um percentual mais elevado de pacientes sintomáticos.  “O mosquito tem hábitos diurnos e geralmente acaba contaminando as pessoas no período entre a manhã e o fim da tarde. Com o isolamento social, agora tem mais gente em casa no horário que antes era de trabalho’, avalia.

Rio Vermelho
Na casa da bacharel em direito Márcia Gonzaga  foram quatro pessoas com a chikungunya. Mãe, avó e os dois filhos pegaram a doença. Só ela escapou. ‘Eu estou grávida e por isso tenho usado repelente constantemente, mas aqui em casa todo mundo pegou. Por conta do coronavírus, acabamos não indo ao médico e fazendo tratamento em casa, mas todo mundo ainda sente as dores”, relata.

Na rua de Márcia o cenário é o mesmo: “Aqui na rua muita gente teve, na rua do lado, quase todo mundo pegou. Eu moro no Rio Vermelho desde que nasci e nunca tinha visto um surto desse”. A região da cidade onde está o bairro foi uma das mais afetadas em salvador e a campeã no crescimento de casos. Considerando o número de casos de 2020, a região fica atrás apenas do Cabula, que já apresentou 343 casos.

Apesar do número expressivo, no comparativo, o aumento no Cabula é menor do que o do Rio Vermelho. O crescimento é de 185% no Cabula e no Rio Vermelho ultrapassa os 1000%. “Não sei se por causa dessa agonia com o coronavírus o pessoal descuidou, mas tem outras doenças aí que matam também. Aqui mesmo no bairro tem uma casa que foi abandonada que deve acabar servindo de foco”, acredita Márcia.

O descuido ou desatenção também é percebido pelos médicos. “Acredito que, com o foco voltado para o coronavírus, está se falando muito pouco das doenças transmitidas pelo mosquito”, completa Clarissa.

Agentes de saúde pública não podem entrar em casas
Além de influenciar no cuidado e atenção da população com as doenças causadas pelo aedes aegypti, o coronavírus acabou mudando também a forma de combater o animal transmissor. É que algumas ações não podem mais ser realizadas por causa da prevenção ao aumento de  casos de covid-19.

É o caso, por exemplo, da entrada de agentes nas residências para eliminar os focos de criação do mosquito. “Por conta do coronavírus, os agentes não estão entrando nas casas, é uma recomendação do Ministério da Saúde para segurança deles e dos moradores. Então, temos pedido que cada pessoa tenha na sua casa o olhar do agente, porque é necessário seguir tomando cuidado, eliminando possíveis focos”, apela Isolina Miguez, subgerente de arboviroses do Centro de Controle de Zoonoses de Salvador (CCZ).

Ela acrescenta, ainda, que o órgão já trabalhava com a possibilidade de aumento no número de casos para as chamadas arboviroses – doenças causadas pelo mosquito: “Tánhamos os alertas das organizações internacionais de que esse aumento podia acontecer agora e por isso trabalhamos para evitar ao máximo os impactos”. Uma das medidas será o aumento no número de agentes para realizar o trabalho, que também passou a ser feitonos finais de semana e feriados desde o início do ano.

“Nesse período de quarentena, o trabalho tem sido feito no entorno e, ao abordar os moradores, já fazem também uma ação educativa para que todos fiquem atentos.  Estão todos trabalhando com os equipamentos de proteção necessários também’, explica Miguez.

O trabalho realizado pelos agentes envolve rondas periódicas na cidade, além dos chamados bloqueios quando ações de combate – como a aplicação de veneno contra o mosquito e a busca por focos e larvas – acontece no entorno de regiões onde são identificados casos. Neste caso, um raio de 50 metros é traçado, a partir do endereço do doente.