US dollars in hands. Dollars and prosperity.

Segundo Paulo Guedes, o dólar alto veio para ficar. Em diversas entrevistas, o ministro da economia tem alertado os brasileiros para que se acostumem com um cenário de moeda desvalorizada.

As escolhas econômicas desde o governo Temer favorece esse cenário. Paulo Guedes está aprofundando, conscientemente, uma política econômica que favorece um dólar mais alto do que o vigente nos últimos anos.

Há uma linha mestra na atual política econômica: o teto de gastos. Em 2016, ainda no governo Temer, o governo federal se comprometeu a limitar o crescimento dos gastos públicos à inflação por pelo menos 10 anos.

Outra linha mestra da política econômica é o tripé macroeconômico. Adotado em 1999, após a entrada de Armínio Fraga no Banco Central, tripé guiou todos os governos desde então. Houve um curto e desastroso interregno no governo Dilma, mas a própria presidente voltou atrás.

De 1999 a 2011, e de 2015 até hoje, a política econômica brasileira manteve as três pernas implementadas por Armínio Fraga. O tripé, resumidamente, é o seguinte:

1) A política monetária é comandada pelo Banco Central e regida pelas metas de inflação. Funciona assim: o Comitê de Política Monetária (COPOM), formado pela diretoria do Banco Central, recebe uma meta de inflação do Conselho Monetário Nacional (CMN), que é liderado pelos ministros da área econômica. define a taxa básica de juros, a SELIC. A partir daí, tendo como norte a meta de inflação enviada pelo CMN, o COPOM se reúne periodicamente para decidir se deve baixar ou subir a taxa de juros (SELIC).

2) A política cambial adota um regime flutuante: é o mercado quem determina o câmbio através da oferta e demanda. Por isso, o dólar sobe e cai todo dia. Intervenções do Banco Central são pontuais e focam apenas em suavizar flutuações de curto prazo. Na prática (escrevo mais sobre isso daqui a alguns parágrafos), o Banco Central sequer poderia controlar a taxa de câmbio sem abandonar as metas de inflação.

3) A política fiscal, referente à gestão das contas do governo, é regida por algumas leis que tentam garantir a sustentabilidade da dívida pública. Em 1999, o tripé começou com a meta de superávit primário e a Lei de Responsabilidade Fiscal. No governo Dilma, a perna fiscal do tripé foi flexibilizada e gravemente distorcida. A partir daí, surgiu a percepção de que era preciso criar uma nova regra. Desta percepção surgiu o teto de gastos.

A manutenção do tripé por 20 anos não significa que a política econômica foi parecida durante todo esse período. Mesmo desconsiderando Dilma, existem diferenças marcantes entre a política econômica de FHC/Lula e a de Temer/Bolsonaro. E essas diferenças são fundamentais para entender por que, segundo Guedes, o dólar alto veio para ficar.

diferença entre os tripés

Apesar de o tripé ter três pernas, elas estão longe de ser independentes. E o fato é que, apesar de tanto FHC/Lula quanto Temer/Bolsonaro terem uma perna fiscal no tripé, essa perna andou em direções radicalmente diferentes nos dois períodos.

Sob FHC e Lula, havia uma meta de superávit primário, que foi cumprida com muito rigor de 1999 até 2006. Mas, como o superávit vem da diferença entre receitas e despesas, a meta não significa que o governo passou a gastar menos com FHC e Lula.

A realidade mostra exatamente o oposto. Entre 1999 e 2010, a despesa primária do governo federal cresceu de 14,6% para 18,2% do PIB. De 2010 até 2016, as despesas chegaram a  19,9% do PIB. O superávit existiu mesmo, mas só foi possível por contas de aumentos consecutivos na carga tributária entre 1999 e 2006.

Como já demonstrei noutro texto, cheio de gráficos, o salário mínimo explica boa parte dessa elevação gastos. FHC, Lula e Dilma, conscientemente, decidiram aumentar o salário mínimo a taxas mais altas do que o PIB.

Ao mesmo tempo, eles mantiveram os dispositivos constitucionais que vinculam boa parte dos gastos federais ao salário mínimo: BPC, Abono Salarial e INSS são os três exemplos mais relevantes de gastos vinculados. Não por acaso, a reforma da previdência versava justamente sobre essas três fatias do orçamento público.

O teto de gastos, aprovado em 2016, foi um plano para sinalizar que, a partir de então, a perna fiscal do tripé olharia também para a despesa, e não só para o superávit (ou déficit) primário.

Esta é a diferença crucial entre o tripé de Lula/FHC e o de Temer/Bolsonaro. De 1999 ao fim do governo Lula, a perna fiscal passava por um aumento no tamanho do Estado. De 2016 para cá, a perna fiscal prevê o contrário: redução dos gastos públicos como proporção do PIB.

Isso é crucial porque determina o que acontece com as duas outras pernas do tripé. As escolhas do governo numa perna moldam as opções disponíveis nas duas outras pernas.

Não por acaso, o governo Lula ficou marcado por dólar baixo e juros altos. Bolsonaro e Guedes, por outro lado, prometem dólar alto e juros baixos.

Os economistas costumam chamar isso de “equilíbrio macroeconômico”. Nesse caso, o economês pode ser útil: se cada perna andar numa direção diferente, o Brasil cai no chão, desequilibrado.

Por que as três pernas andam juntas

 Lula/FHC e Temer/Bolsonaro fizeram escolhas radicalmente distintas na perna fiscal do tripé macroeconômico. Não é difícil entender por que isso acontece.

Primeiramente, um aumento de gastos públicos faz com que os poupadores exijam juros maiores para emprestar dinheiro ao governo. O tripé do gasto crescente, de Lula/FHC, exigia que o Banco Central fixasse uma taxa de juros mais alta para cumprir a meta de inflação.

Já o tripé do teto de gastos, de Temer/Bolsonaro, passa por um compromisso constitucional com o controle das despesas que deve ser cumprido por no mínimo 10 anos. O teto cria o incentivo oposto, permitindo que o Banco Central fixe taxas de juros menores e mesmo assim cumpra com o regime de metas.

Além disso, o aumento das despesas públicas tem uma outra consequência: estimular a demanda interna. Quando o governo gasta mais, esse dispêndio eventualmente vai circular pela economia e acabar no bolso de alguém.

O problema é que esse gasto estimula apenas a demanda interna, sem afetar a oferta. Para que o Brasil se torne capaz de produzir mais, é preciso aumentar a escolaridade da população, acumular mais capital (construir prédios, comprar máquinas, adquirir novas tecnologias, etc) e promover reformas que elevem a produtividade do país no longo prazo.

Estimular a oferta, elevar a capacidade produtiva do país, é bem mais difícil do que estimular a demanda: demora mais, o custo político é maior, podem surgir desgastes de curto prazo e os benefícios de longo prazo geralmente são apropriados pelos sucessores do governante que promove reformas desse tipo.

Assim como em qualquer mercado, na macroeconomia os preços sobem quando a demanda cresce mais do que a oferta. Os estímulos levam as pessoas a gastar mais, a economia se aquece e a inflação aparece junto.

O resultado final aparece em mais pressões sobre a perna monetária do tripé. Para cumprir as metas de inflação, o BC acaba sendo obrigado a fixar juros maiores do que num cenário em que demanda e oferta estão alinhadas.

Esses dois mecanismos mostram que a perna fiscal e a monetária estão intimamente ligadas. Como o FHC/Lula e Temer/Bolsonaro fizeram escolhas fiscais muito diferentes,  a evolução da perna monetária também é diferente. De 2016 para cá, a inflação caiu junto com a taxa de juros.

Essa é uma via de mão dupla. Se um governante tem o controle da inflação como prioridade única, sua política econômica provavelmente passará por uma elevação dos juros na perna monetária.

Como resultado, a perna fiscal teria que criar espaço no orçamento para bancar esses juros crescentes.

Assim como as pernas fiscal e monetária estão ligadas, o mesmo acontece com a perna cambial.

Quando o Banco Central do  Brasil eleva a taxa básica de juros, os ativos denominados em reais passam gerar mais retorno.

Com tudo o mais constante, manter reais se torna mais atrativo. Parte das pessoas que possuíam dólares na carteira decidem trocá-los por reais.

Essa maior demanda pela nossa moeda faz com que o real se valoriza frente às moedas estrangeiras – ou seja, o dólar cai. As altas taxas de juros de FHC/Lula estimulavam um dólar baixo.

O inverso também é válido. Quando os juros caem, os ativos denominados em reais ficam menos atrativos com relação ao dólar. Essa diminuição da demanda pela nossa moeda faz com que o real se desvalorize frente às moedas estrangeiras – ou seja, o dólar cai. A queda nas taxas de juros de Temer/Bolsonaro estimula a alta do dólar.

Essa também é uma via de mão dupla. Imagine, por exemplo, o que ocorreria se governo adotasse um regime de câmbio fixo. Nesse caso, o que ocorreria se a taxa de juros americanas caísse? A demanda por dólares diminuiria, gerando uma pressão para desvalorização do real.

Como a perna cambial caminha num regime de câmbio fixo, a perna monetária precisa andar na mesma direção, baixando a taxa de juros brasileira para evitar flutuações na taxa de câmbio. E a perna fiscal teria que andar junto, dado que a taxa de juros afeta as contas públicas.

É por isso que as metas de inflação exigem que o dólar possa flutuar conforme a oferta e demanda. Se o Brasil tivesse um regime de câmbio fixo, a taxa de juros se moveria conforme as necessidades do câmbio, sem necessariamente cumprir as metas de inflação.

Não há uma relação de independência entre as pernas do tripé. Uma depende da outra. As escolhas fiscais da política econômica moldam quais alternativas estarão disponíveis para as escolhas monetárias e cambiais.

É por isso que o dólar alto veio para ficar. Os governos Temer e Bolsonaro decidiram adotar uma política fiscal radicalmente diferente da anterior. Desta forma, mesmo mantendo o regime de metas de inflação e o câmbio flutuante, as políticas monetária e cambial do Brasil devem mudar consideravelmente com o novo cenário do teto de gastos.