Moradores julgados desleais são executados no Engenho Velho da Federação. Comerciantes são obrigados a pagar taxa para continuar trabalhando na Avenida Vasco da Gama. Carros são incendiados no Lobato. O comando é do Comando Vermelho (CV). A facção, que se estabeleceu na Bahia em 2020, iniciou o ano com demonstrações de poder e de dominação em seus territórios, uma afronta às forças de segurança.

“Isso é comum no Rio de Janeiro e estamos assistindo aqui um efeito espelho. Se não houver uma resposta mais eficaz do estado, se a gente não parar efetivamente para entender o que está acontecendo, qual o mecanismo que podemos usar para fazer frente à situação daqui a pouco teremos que conviver com esse fenômeno, como já acontece no México e na Colômbia”, declarou o professor de Direito e especialista em segurança pública, coronel Antônio Jorge.

Nos primeiros 20 dias de 2024, vários acontecimentos relacionados ao tráfico de drogas em Salvador foram atribuídos ao CV. No último dia 15, um marceneiro foi assassinado por não permitir a instalação de câmeras em um poste de iluminação em frente à casa, na Rua Neide Gama, na comunidade do Forno. Segundo testemunhas, Daniel estava com a mãe, uma idosa, quando a residência foi arrombada. Ele foi arrastado por alguns metros, e, ainda sob o olhar espreito dos vizinhos, executado com muitos tiros em um beco.

“É algo que ninguém aqui quer comentar. O que posso dizer é que o marceneiro vivia com uma mãe, era uma pessoa que só viva para o trabalho e teve um fim terrível. A gente sabe que ele era uma pessoa muito correta, que não era de levar desaforo. Ele não concordava com essas coisas que vem acontecendo. A gente tem que dizer ‘amém’ pra tudo que eles fazem, dizem, caso contrário …. você já sabe, né? Não posso falar mais nada porque aqui tá cheio de ‘olheiro’ (informante)”, declarou um morador do Forno.

Uma mulher deu detalhes de outras execuções. “Tem gente aqui que foi apanhada na porta de casa e os parentes só souberam da notícia no IML (Instinto Médico Legal). Precisamos de socorro!”, sussurrou ela, antes de se afastar da equipe de reportagem e seguir o caminho.

No mesmo dia, veio à tona mais um crime atribuído à facção: a extorsão de comerciantes da Avenida Vasco da Gama. O CORREIOO conversou com eles, que relataram que pelo menos 10 foram de alguma forma intimidados pelos traficantes. Uma parte recebeu a cobrança via mensagem de aplicativo, com a foto de um bilhete dizendo que “todos vocês pagarão uma porcentagem referente a segurança que iremos fazer de todos os estabelecimentos (sic)”. O recado trazia um alerta: “caso pagamento não seja feito, as consequências virão”. “Chegou no ‘Zap’ e deixou tudo mundo aqui apavorado. Estou liberando os meus funcionários mais cedo e fechando antes do horário habitual, porque não sei até que ponto eles são capazes de agir”, disse o dono de uma loja, que fica no sentido Rio Vermelho, e que não pagou.

Outros comerciantes receberam ligações. “Um homem dizendo que era para ‘ajudar a facção’, caso não pagasse, haveria represália, que viria com armas. Não falou em valores. Disseram que viriam tratar pessoalmente. Foi ríspido, tipo: ‘nós vamos brocar’, ‘não estamos brincando’”, contou uma vítima. “O pessoal do Forno tá mandando fazer tudo isso, pelo menos é o que estão dizendo. Não me sinto seguro. Fico na infeliz expectativa de algum deles vir aqui. Todos os clientes que chegam fico tenso, principalmente quando querem falar em particular”, declarou.

Desde o dia 15, que o comércio na região está fechando mais cedo. “Isso mexe com o emocional de todo mundo. Estamos encerrando às 17h, quando deveria ser 18h. É um prejuízo também, porque nessa época de festas, a gente ficava até tarde, tipo 22h, atendendo clientes, principalmente motoristas de aplicativo, que não podem ficar parado, caso contrário ficam sem receber. Calculo 30% de prejuízo. Estamos desprestigiados perante a segurança pública”, disse o dono de uma outra loja.

Após tomar conhecimento do problema, a Polícia Militar implantou uma base móvel e uma viatura para garantir a segurança na região. “A sensação é de menos perigo, mas vamos ver até quando esse efetivo vai ficar aí”, disse o funcionário de uma das lojas. Entre os dias 19 e 20, a PM prendeu quatro pesssoas suspeitas de envolvimento na extorsão – uma delas é irmã de dois traficantes.