Após flexibilização, número de casos confirmados de covid-19 subiu de 1.654 para 4.399.

Abre comércio, sobe o número de casos, fecha novamente. A história que foi vista em outras cidades brasileiras, como no Rio de Janeiro e em São Paulo, se repetiu aqui na Bahia no município de Feira de Santana.

No último dia 16 de junho, o prefeito Colbert Martins flexibilizou a reabertura de pequenas lojas, assim como shoppings, galerias e até o Feiraguay. Naquela data, eram 1.654 infectados pelo novo coronavírus, 36 óbitos e a taxa de ocupação de leitos de UTI estava em 80%. Pouco mais de duas semanas depois, o prefeito recua mais uma vez e fecha o comércio a partir desta terça-feira (7).

Porém, os números não voltam atrás: já são 4.399 casos confirmados, 2.263 casos ativos, 70 óbitos e não há mais leitos de UTI disponíveis no Hospital de Campanha, que foi inaugurado há apenas um mês. A ocupação na rede privada também está quase no limite, segundo o prefeito.

O chefe do executivo municipal nega que o aumento do número de casos da covid-19 tenha sido por conta da retomada comercial. Segundo ele, o crescimento de infectados foi porque o pico da doença iria chegar de qualquer maneira, já que a curva é exponencial, além do aumento de aplicação dos testes rápidos na população — foram 20 mil até agora —, o que leva a uma descoberta de novos casos.

“Não aumentou porque abriu A ou B, aumentou porque nós estamos chegando no pico e a interiorização chegou fortemente aqui em Feira de Santana”, explica Colbert Martins.

O prefeito ainda cita a grande circulação de caminhões e ônibus na cidade, vindos principalmente do Sudeste, que podem ter contribuído para a alta dos doentes.

Esse pensamento não é compartilhado pela estudante de Relações Internacionais Brenda Borges, 19 anos, que atualmente mora em Portugal, mas veio passar o período de isolamento com a família na cidade baiana.

“Queria esperar mais de Colbert, por ele ser médico. Mas acho que ele se preocupa mais com o dinheiro do que com a crise sanitária que estamos passando. Foi totalmente incoerente ter reaberto o comércio, ele deveria ter ouvido a comunidade científica”, avalia.

Para os cientistas, no entanto, a conversa do prefeito não corresponde à realidade. A abertura do comércio tem relação determinante na alta de casos. De acordo com dados do painel Geocovid-19, projeto da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) que monitora o avanço da doença, no final de março os casos de infecção por coronavírus dobravam a cada seis dias e meio, em média.

Depois, com as medidas restritivas, houve uma estagnação do contágio e levou mais de 20 dias para dobrar os números, o que demonstrava que estavam no caminho do controle.

No fim de abril, a prefeitura de Feira anunciou a primeira flexibilização do funcionamento do comércio. Foi o suficiente para, cerca de dez dias depois, os dados mostrarem dobra de casos. Desde metade de junho, a cidade tem levado, em média, 12 dias e meio para multiplicar por dois o número de infectados.

“Isso mostra que não havia situação segura para se fazer flexibilização das atividades, já que a gente estava em uma situação de taxa de contágio crescente”, aponta o professor Washington Rocha, coordenador do Geocovid-19.

Outro parâmetro que vem sendo observado é, justamente, o índice de retransmissão do vírus, chamado de RT. O professor explica que esse índice indica, mais ou menos, qual o potencial de uma pessoa transmitir o vírus para outra. Assim, se o RT é 2, significa que uma pessoa contaminada transmite o vírus para até dois outros indivíduos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) prega que para considerar que a doença está sob controle é necessário que esse número esteja abaixo de 1.

De acordo com dados do projeto Corona Cidades, obtido pelo Geocovid-19, essa taxa estava em 1,7 em Feira de Santana no último domingo, e vem se mantendo em uma média de 1,55.

“Essa decisão do prefeito de fechar o comércio agora é mais do que necessária. A gente sabe que é um problema a questão econômica das pessoas, mas fazer flexibilização em um momento impróprio terá uma repercussão muito pior”, argumenta Washington Rocha.

Na semana passada, cientistas do Consórcio Nordeste — rede criada para orientar autoridades públicas no controle da pandemia — recomendaram a instituição imediata de lockdown na cidade, o que corresponde a bloqueio total das atividades.

Apesar de ser dona de uma loja de artigos de praia em Feira de Santana, Aldilai Peixoto, 31, discordou da reabertura do comércio desde o início. “Fui uma das primeiras a fechar as portas, antes mesmo do decreto do prefeito”, conta. “Para mim, teria que ter sido assim desde o começo, já que temos essa opção de trabalhar online”, completa a empresária.

Reinventando o negócio por causa da pandemia, Aldilai criou um site para a empresa, investiu na divulgação em redes sociais e as vendas pela Internet alavancaram desde então, ampliando a clientela para além do município e da Bahia. “Nossa empresa não se apegou em continuar refém do atendimento presencial, a gente conseguiu se reinventar”, relata.

Secretário de Saúde critica reabertura

Se o comércio for mantido aberto, os dados de projeção do Geocovid-19 apontam que, em um mês, Feira de Santana pode chegar a 50 mil casos acumulados da doença. Mesmo se as atividades se mantiverem suspensas, e o lockdown for acionado, pode-se atingir até 20 mil casos totais no mesmo período. Se o comércio não tivesse sido aberto em abril, os cientistas do projeto estimam que, em vez dos mais de 4 mil casos atuais, Feira de Santana estaria com cerca de 1,5 mil infectados.

O secretário de saúde da Bahia, Fábio Vilas-Boas, não recomenda que seja feita a retomada se não houver leitos suficientes para os doentes e se a taxa de crescimento da covid-19 não estiver sob controle.

“O que houve em Feira de Santana foi que se decidiu abrir quando a taxa de crescimento ainda estava alta. Fez Feira saltar pra ser o segundo município com maior número de casos da Bahia, crescendo a uma taxa de 5,4%. Só nos últimos cinco dias, cresceu 27%. Significa que a cada 10 dias, vai dobrar o número de casos, persistindo a taxa de crescimento”, analisa o secretário. “Bom exemplo não é, mas cada prefeito tem sua autonomia”, comenta.

Com hospitais lotados, prefeitura promete mais vagas

Por conta do esgotamento da capacidade no sistema de saúde, a Prefeitura de Feira anunciou, em coletiva virtual realizada ontem, que pretende ampliar entre 6 a 10 vagas a oferta de leitos de UTI no Hospital de Campanha. Atualmente, são 10 vagas de UTI, todas ocupadas, e 50 leitos de enfermaria, sendo mais da metade ocupados.

Colbert disse que a decisão foi tomada na semana passada e, nesta semana, assinará o contrato para a ampliação. Na coletiva, o prefeito aproveitou para sinalizar que a entrega dos 40 leitos de UTI no Hospital Clériston Andrade foi novamente adiada pelo Governo do Estado.

A infectologista Melissa Falcão, que é coordenadora do Comitê de Enfrentamento ao Coronavírus de Feira, pontua que, embora os leitos de UTI estejam quase todos ocupados, ainda há vaga nas enfermarias.

“Há um grande número de internamentos e esgotamento dos leitos de UTI, mas temos vagas nos leitos clínicos. A gente percebe com isso que os pacientes estão vindo se internar já com um quadro grave e, nestes casos, precisa ir diretamente para a UTI. Por isso, peço a vocês que estejam com suspeita de coronavírus que, aos primeiros sinais de dificuldade de respirar, mesmo que leve, procurem uma unidade de saúde”, orienta a médica.

CRONOLOGIA DO ABRE E FECHA EM FEIRA DE SANTANA

20 de abril – Reabertura do comércio – 58 casos
21 de maio – Fechamento do comércio – 240 casos
16 de junho – Comércio volta a abrir – 1.090 casos
7 de julho – Prefeitura decreta novo fechamento do comércio – 4.399 casos
*Sob supervisão da editora Clarissa Pacheco

Jornal Correio da Bahia