Juntos há 20 anos e convivendo com o vírus do HIV há cinco, um casal de Santos, no litoral de São Paulo, mantém a vida sexual ativa fazendo uso de medicamentos. O marido descobriu ser portador da doença após uma traição e, por causa da Aids, eles ficaram dois anos inteiros sem relações. Agora, após o perdão, eles pensam em maneiras de ter o segundo filho sem risco da doença.

Laura e Marcelo*, de 33 e 35 anos respectivamente, se conheceram ainda jovens. Os dois namoraram na adolescência e estão casados há 12 anos. Há cinco, durante um check-up de rotina, Marcelo descobriu ter se tornado soropositivo após ter traído Laura. A descoberta veio durante a gravidez da esposa.

“Eu estava grávida, mas ele teve que me contar pois eu também precisava fazer exames para ver se eu ou o bebê havíamos sido contaminados. Ele me explicou toda a situação, eu entendi e perdoei. Quando fiz os exames, graças a Deus deu tudo negativo. Nem eu nem a criança éramos soropositivo”, relembra.

Na época, a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), que consiste no uso de um medicamento anti-HIV de forma contínua para evitar infecção pela doença, ainda não era oferecida no Sistema Único de Saúde (SUS) e, com medo de contaminar o bebê que esperavam, o casal ficou dois anos sem ter relações sexuais.

“Tivemos muito medo, mesmo depois de ela nascer, por causa da amamentação. Ele tomava remédio, mas não sabíamos o que poderia acontecer. Tomamos essa decisão e, dois anos depois, na nossa primeira relação após a descoberta da doença, a camisinha estourou e eu fui novamente exposta ao vírus”, diz.

Com a exposição, Laura procurou assistência médica e fez uso da Profilaxia Pós-Exposição (PEP), que é o uso do medicamento anti-HIV em caráter de urgência após uma situação de risco. Foi quando ela descobriu sobre a PrEP, tratamento que a permitiria manter relações sexuais com o marido de forma mais segura.

“Fiz os exames e todos os procedimentos para evitar a infecção após a situação de risco e, logo que cheguei em casa, falei sobre a PrEP. Pedi para ele ir no postinho para sabermos mais sobre o remédio”, conta.

Desde então, Marcelo, que convive com o vírus da Aids, toma diariamente o coquetel para controle da doença, enquanto Laura usa PrEP. Mesmo assim, o casal não arrisca ter relações sexuais sem camisinha.

A orientação dos médicos de continuar utilizando o preservativo, mesmo tomando o remédio anti-HIV, é seguida a risca por Laura. Mas, em 2019, o casal tem planos de ter o segundo filho e a esposa foi buscar ajuda no Centro de Controle de Doenças Infectocontagiosas de Santos para saber o que poderia ser feito para que o segundo filho nasça com saúde e sem o vírus da doença.

“Conversei com as enfermeiras e os médicos para buscar novos métodos, pra saber se o bebê corre algum risco. Eles disseram que é possível. A inseminação é uma das opções. Mesmo com a Aids, eu e meu marido tentamos seguir uma vida normal e conseguimos. Muitos têm preconceito ainda com os soropositivos, mas é importante saber que há métodos, há remédios, há maneiras de viver com isso”, finaliza.

Fertilização
O infectologista Ricardo Hayden explica que o único método seguro para gravidez nesse caso é a fertilização assistida com a lavagem de espermatozoides. “Mesmo em pacientes que possuem HIV e fazem tratamento, o esperma pode conter o vírus. Então, o único método para que o bebê e a mãe não sejam contaminados é esse. Existem clínicas que fazem isso em São Paulo, já que o processo requer uma tecnologia um pouco mais sofisticada”, relata.

Ele ainda acrescenta que a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) é uma medicação importante para casos como o de Laura e Marcelo, em que um dos companheiros é HIV positivo. “Ela é muito bem-vinda. Garante mais segurança caso ocorra um acidente de percurso, como estourar o preservativo, por exemplo”.

De acordo com o especialista, não há problema em fazer o uso da PrEP, contanto que ela não substitua o uso do preservativo, até porque não evita a transmissão de outras doenças sexualmente transmissíveis. E quem está com HIV deve sempre estar em tratamento.

De acordo com o Ministério da Saúde, a Profilaxia Pré-Exposição consiste na tomada diária de um comprimido que impede que o vírus causador da Aids infecte o organismo antes de a pessoa ter contato com o vírus. O medicamento anti-HIV chegou ao SUS em 2017, mas não é para todos. Ela é indicada para pessoas que tenham maior chance de entrar em contato com o HIV.

“A PrEP é permitida para gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH), pessoas trans, trabalhadores do sexo e casais sorodiscordantes [quando um vive com HIV e outro não]”, explica a chefe da Seção de Atendimento Especializado Adulto da Secretaria de Saúde de Santos, Joseli Cardoso.

Cerca de 120 pessoas dos nove municípios da Baixada Santista fazem a tratamento no Centro de Controle de Doenças Infectocontagiosas. De acordo com Joseli, todo o procedimento é acompanhado de perto por médicos, psicólogos e especialistas, para garantir que o tratamento seja seguido adequadamente.

“Temos pessoas que começaram, pararam de tomar o remédio por que terminaram com o marido ou esposa soropositivo, mas depois retomou o relacionamento e voltou aqui para iniciar o tratamento novamente. Estamos sempre de portas abertas para quem quiser ir e voltar dez vezes ou mais. Não tem limite, a pessoa pode tomar o remédio sempre que estiver em uma situação de risco”, esclarece.

Em Santos, qualquer morador pode buscar pelo serviço na Rua Silva Jardim, 94, no bairro Vila Mathias, de segunda a quinta-feira, às 11h30. Moradores das demais cidades da Baixada Santista devem ser encaminhados pelo serviço de saúde do seu município. Em todo o país, unidades de saúde oferecem o tratamento. Confira a lista completa dos serviços habilitados para oferecer a profilaxia no site.

*Nomes fictícios utilizados para preservar a identidade do casal