Um auxilar de produção de 27 anos e uma professora do ensino infantil, de 38, estão prestes a dar à luz uma bebê na cidade de Itapira, em São Paulo. O parto poderia ser apenas mais um, não fosse o fato de que quem está grávido, neste caso, é o pai. É que Frank Teixeira resolveu fazer uma surpresa para a amada, Tarís de Souza, e passou por um processo para engravidar. Isso mesmo, você não leu errado. É o pai quem está grávido. Mas como? Trata-se de um homem trans que decidiu realizar o sonho de construir família junto com a companheira. Eles são a prova de que novas configurações familiares são possíveis e de que família é onde há amor.

Frank e Taris se conheceram há cerca de seis anos em uma academia, dois anos antes de o rapaz começar o processo de transição com hormônios. A mulher sempre sonhou ser mãe e os dois resolveram colocar em prática um plano para engravidar. Ela tentou por pelo menos 11 vezes, sem sucesso, até que o namorado tomou as rédeas da situação e resolveu surpreendê-la.

Os dois conversaram com o BHAZ nesta quinta-feira (8) e contaram como tudo ocorreu. Frank disse que nunca pensou em engravidar e que as coisas foram simplesmente acontecendo. “A Taris tentou engravidar por diversas vezes e a ginecologista dela nos ajudou em um primeiro momento, mas nenhuma das tentativas deu certo. Eu decidi tentar em mim e funcionou logo de cara”, conta o auxilar de produção. “Escolhi o doador, ele realizou exames e preparamos toda a documentação. Ele cedeu o material e eu mesmo fiz a aplicação com uma seringa, depois fui contar para a Taris”, explica.

Taris e Frank se conheceram quando o rapaz ainda se identificava com o gênero feminino (Arquivo pessoal)

“Meu corpo foi mudando com o passar do tempo e eu já sabia das consequências. Primeiramente, a Taris ficou preocupada de que a gravidez pudesse prejudicar o meu psicológico, já que passei por um processo com hormônios para a transição. Quando tentei engravidar, no entanto, já havia parado de tomar a medicação. Depois do susto, ela ficou super feliz”, conta.

Ao longo da gravidez, Frank passou muito mal. Teve azia e dor de estômago, mas nenhum desejo. “A única diferença é que não parei de comer desde que fiquei grávido. Eu pesava 80 kg e estou chegando nos 100 kg”, conta o rapaz, que está de oito meses e com parto previsto para o dia 19 de setembro.

O pai da bebê, que se chamará Antonella, conta que recebeu apoio de amigos e familiares desde que tomou a decisão de engravidar. Ele conta que todo o processo foi bastante tranquilo e que o casal não teve que lidar com críticas e preconceito. No entanto, avisa que os dois não estão preocupados com julgamentos alheios. “A gente sabe que tem muito na internet [críticas], mas pessoalmente nunca escutamos e também não paramos para ler ou responder, são opiniões que não somam em nada. O importante é que estamos realizando um sonho juntos e construindo uma família”, diz.

Filha de Frank e Taris, bebê se chamará Antonella (Arquivo pessoal)

Já Taris explica que ficou “meio nervosa” diante da notícia de que o namorado conseguiu engravidar logo na primeira tentativa. Ela disse ter ficado preocupada em um primeiro momento, mas que ficou muito feliz logo na sequência. “Eu fiquei preocupada, pensei que ele fosse surtar ou fosse passar por alguma dificuldade, já que fazia tratamento hormonal e engravidar ia contra todo esse processo pelo qual ele passou”, conta.

“Quando percebi o que estava acontecendo, fiquei muito emocionada e chorei. O Frank realizou esse sonho por nós. Fizemos várias ultrassonografias em 3D e já dá para ver que a Antonella será parecida com ele, mas a ansiedade de ver o rostinho ao vivo permanece”, diz a professora.

Sobre possíveis críticas, ela também é enfática: “A gente sente pena de pessoas preconceituosas e que fazem críticas. Por um lado, eu acho que são pessoas infelizes que se a vida fosse mais atrativa, talvez não tivessem atitudes assim. Por outro lado, eu tenho certa de que o amor está acima de tudo. Quantos casais heterossexuais, considerados “normais”, abandonam crianças e maltratam seus filhos? Somos uma configuração familiar nova, então as pessoas preferem contestar do que respeitar. O que importa para nós é a nossa família, a nossa felicidade”, explica.

Afinal, o que é uma pessoa transexual?

O que define uma pessoa transexual? Qual a diferença entre uma mulher transexual e uma travesti? Transativista e autora do e-book “Orientações sobre a população transgênero: conceitos e termos”, a especialista Jaqueline Gomes de Jesus é uma das pessoas mais indicadas para falar sobre o assunto.

Segundo a estudiosa, uma pessoa trans é aquela que não se identifica com o sexo que nasceu, é quem nasceu homem e reivindica o reconhecimento social como mulher ou vice-versa. Diferentemente do que muitas vezes o senso comum dissemina, não é o procedimento cirúrgico que define uma pessoa como trans ou não.

Já travesti é quem vivencia o papel de uma pessoa do gênero feminino, mas não se reconhece como mulher e nem como homem, mas como membro de um terceiro gênero ou de um não-gênero. Apesar disso, a forma correta de se dirigir à uma travesti é sempre no feminino.

Identidade de Gênero x Orientação Sexual

Ainda seguindo na linha de raciocínio proposta por Jaqueline Gomes de Jesus, é importante esclarecer também a diferença entre identidade de gênero e orientação sexual.

A identidade de gênero diz respeito àquela em que a pessoa se identifica, podendo ser o mesmo que lhe foi designado ao nascer ou não (masculino ou feminino). Quando o indivíduo se identifica com o gênero que lhe foi designado ao nascer, o definimos como cisgênero; quando o gênero de identificação e o de nascimento não são compatíveis, trânsgenero.

A orientação sexual nada tem a ver com a identidade de gênero. Trata-se da atração afetivo-sexual por alguém. Um indivíduo pode ser heterossexual (se atrai por pessoas de gênero diferente daquele com o qual se identifica), homossexual (atraído por pessoas de gênero igual àquele com o qual se identifica), bissexual (se atrai por pessoas de qualquer gênero) ou assexual (não sente atração sexual por pessoas de qualquer gênero).

Dessa forma, uma mulher trans – isto é, que nasceu como homem mas se identifica como mulher – que, por exemplo, se sente atraída por homens – independentemente se trans ou não – é considerada uma mulher trans heterossexual.