Em meio aos avanços no tratamento da leucemia, um novo medicamento experimental tem gerado expectativa entre as autoridades de saúde e pacientes em todo o mundo, já que a droga foi responsável pela remissão completa da doença em 18 pacientes. Desenvolvido pelo MD Anderson Cancer Center da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, o estudo clínico de fase 1/2 administrou uma pílula chamada “revumenib” em 68 pessoas diagnosticados com leucemias agudas avançadas com rearranjos KMT2A ou NPM1 mutante.

Segundo os cientistas, o objetivo é apontar um possível tratamento direcionado para esses casos, que ainda não têm uma terapia específica liberada para uso. Para o líder do estudo, Ghayas Issa, mesmo não atingindo a maioria dos pacientes, as mutações analisadas são desafiadoras e importantes para o desenvolvimento de novos protocolos. Em comunicado, o pesquisador apontou que “as leucemias agudas com rearranjos KMT2A são difíceis de tratar e as mutações NPM1 são a alteração genética mais comum na leucemia mielóide aguda. Esses subconjuntos não têm terapias direcionadas especificamente aprovadas”.

O medicamento atua na inibição de uma proteína chamada “menin” ou MEN1, que tem ação crucial na expressão de genes que causam leucemia. Essa proteína tem sido alvo de estudos porque ensaios pré-clínicos sugeriram que intervir na interação dela com as mutações pode ser uma opção eficiente para eliminar as células cancerígenas do organismo. A inibição da proteína promove um processo de alteração genética das células tumorais, que passam para um padrão normal. Dessa forma, o paciente tem a remissão da doença. A fase preliminar contou com a participação de pacientes adultos e crianças.

Mas mesmo com o otimismo em torno do estudo, que foi publicado na revista Nature, os pesquisadores reiteram que os resultados são preliminares e não sugerem uma cura definitiva. “Essas taxas de resposta, especialmente as taxas de eliminação da doença residual, são as mais altas que já vimos com qualquer monoterapia usada para esses subconjuntos de leucemia resistente”.

Os principais efeitos adversos do tratamento apontados pelos voluntários foram: diarreia, fadiga e anemia. Os participantes não descontinuaram a terapia em função disso. A próxima etapa da pesquisa é analisar os efeitos em outros cenários, como quadros recém diagnosticados e para terapias de manutenção.

Conforme a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), em 2022, 1.978 internações por leucemia foram registradas, sendo os tipos: linfoide, com 1.218; mieloide, com 577; monocítica, com 5; outras leucemias de tipo específico, com 68; e de tipo celular NE, com 110. Em relação aos óbitos, a pasta informou que foram notificados 403 no mesmo período, sendo os tipos: linfóide, com 110; mieloide, com 196; monocítica, com 3; outras leucemias de tipo específico, com 6; e de tipo celular NE, com 88.

Tendo em vista o resultado promissor, o Portal A TARDE ouviu especialistas sobre a viabilidade do medicamento para o tratamento da leucemia. Para o médico hematologista Alex Pimenta, que atua na Clínica AMO, o novo estudo representa as conquistas e avanços no tratamento do câncer nos últimos anos. O especialista explica que, a partir de um maior entendimento da genética das células do câncer, é possível desenvolver medicamentos mais direcionados aos pacientes.

“Esse tratamento é mais um exemplo do que a gente vem conquistando em tecnologia em hematologia nos últimos anos. A gente começou a entender melhor a genética das células do câncer e entender qual a vantagem ela tem em relação às células normais, porque elas proliferam mais e invadem outros tecidos. Isso tem a ver com as condições genéticas do câncer, da leucemia. Então, quando a gente consegue compreender as modificações no DNA dessas células e essas vantagens, a gente começa a tentar fazer tratamentos mais direcionados e específicos. Então, esse medicamento é um desses tratamentos”, pontua.

“A gente chama de tratamento alvo direcionado, ele é um remédio que tira a vantagem determinante geneticamente da célula cancerígena para conseguir proliferar mais que as outras. Esse tratamento tem uma característica: eles são bem mais específicos contra as células tumorais da leucemia e consequentemente têm menos efeito sobre as células normais. Isso faz com que ele seja mais eficiente, tenha menos efeito colateral e trabalhe diretamente na vantagem que a célula tumoral tem em relação às outras”, aponta.

O médico hematologista Jairo Sobrinho, que é responsável técnico pelo serviço de Transplante de Medula e Terapia Celular do Hospital Santa Izabel e Clínica NOB, do Grupo Oncoclínicas, também considera que o medicamento é mais uma contribuição importante para o tratamento de pacientes com leucemia. Segundo o especialista, os resultados são animadores para a continuidade do estudo considerando o potencial de inibição da proteína que se liga às alterações genéticas que podem provocar a doença.

“É uma descoberta muito importante saber que se pode reverter essa condição. Nesse estudo, eles separaram pacientes que tinham essa alteração KMT2A ou NPM1 e colocaram outros pacientes que não tinham nem uma nem outra. Esse medicamento interage com os outros medicamentos que são usados na glicemia, para prevenir infecção e são metabolizados em um lugar específico do fígado. Eles deram uma dose menor para quem estava tomando os medicamentos e uma dose maior para quem não estava. Eles fizeram o estudo de dosagem no sangue e a dosagem foi a mesma tanto para quem tomou mais quanto para quem tomou menos. A dosagem do medicamento no sangue foi igual, isso é bom para dizer que não houve diferença no tratamento em si para esses pacientes”, ressalta.

Sobrinho também explica que o estudo contemplou pacientes que não responderam aos tratamentos convencionais e que tiveram a doença ativa novamente após o tratamento.

“Os voluntários foram refratários, que foram tratados com a quimioterapia padrão e não responderam e pacientes recaídos ou recidivados, que responderam por um tempo e depois a doença voltou. Eles usaram esse medicamento que se ‘gruda’ na proteína ‘menin’ e impede que ela se ligue às alterações genéticas que podem provocar leucemia”, explica.

Para o hematologista, a taxa de resposta do tratamento e remissão completa da doença entre os pacientes representa um grande avanço na busca por um método direcionado aos subconjuntos de leucemia estudados.

“O que eles conseguiram com isso foi um resultado de uma resposta de 59% nos pacientes que tinham o KTM2A e de 36% nos pacientes que tinham mutação NPM1. Isso pode parecer pouco, mas para quem não responde nada e para gente que está acostumada a tratar leucemia aguda é muita coisa. O remédio foi dado a cada 12h continuamente, o tempo médio para ter uma resposta foi dois meses. E o interessante é que quem teve resposta com o tratamento é o que chamamos de resposta completa, que é o desaparecimento da leucemia. Alguns tiveram anemia, plaquetas baixas, mas sem leucemia detectada”, completa.

Viabilidade

Embora os resultados dos testes sejam considerados promissores para o tratamento da leucemia, o hematologista pondera que a viabilidade do desenvolvimento da nova droga também deve ser submetida à questão financeira, já que muitos medicamentos modernos e avançados apresentam um alto custo.

“O desenvolvimento dessas drogas modernas, dessas modalidades de tratamento sofisticadas com menos efeitos colaterais têm muitas vantagens em relação à tolerabilidade do paciente, mas tem um custo muito elevado. O que torna o acesso mais difícil tanto da saúde suplementar quanto ao contexto do Sistema Único de Saúde. Então, é um desafio para os médicos e para os gestores equilibrar o uso dessas tecnologias, tentar ter as que estão disponíveis para os pacientes que precisam. A gente tem que fazer um esforço contínuo para conseguir viabilizar de forma eficiente esses tratamentos de forma sustentável”, argumenta.

Além do custo, o especialista ainda diz que outros pontos relevantes são o estágio do estudo, que se encontra em uma fase preliminar, e a condição dos voluntários. Para ele, as próximas etapas têm que alcançar bons resultados ao serem submetidas a outras condições, como fases diferentes da doença, potencial comparado aos tratamentos convencionais, entre outros.

“Esse estudo é muito preliminar, onde pacientes que já estavam com doenças refratárias, ou seja, todos os tratamentos tinham sido testados e os pacientes não estavam mais respondendo e é oferecido uma droga nova, uma experimentação em um ambiente controlado, com todo o aparato ético para que não se cometa abusos e o paciente tenha a máxima segurança. É muito comum na medicina, na oncologia já aconteceu várias vezes você testar uma droga como essa com resultados muito promissores e todo mundo fica entusiasmado nessa fase inicial, mas a gente tem que ter sucesso nas outras etapas, testar em outros pacientes, testar em outras fases da doença, e testar em comparação com os tratamentos convencionais”, diz.

“Então, muitas vezes, algumas drogas muito promissoras na fase inicial se revelam problemáticas por efeitos colaterais e até mesmo menos eficientes quando comparadas aos tratamentos convencionais. É importante salientar esse tipo de informação porque às vezes o paciente fica entusiasmado achando que aquilo vai chegar para ele ou já vai estar disponível, mas tem todo um trâmite, regramento para que o medicamento possa evoluir”, reitera.

Esperança

A engenheira civil e designer de interiores, Caroline Porto, 37, conta que recebeu o diagnóstico de leucemia aos 14 anos e passou por sessões de quimioterapia até a remissão da doença. Moradora da cidade de Planalto, no sudoeste da Bahia, a ex-paciente relembra os desafios na detecção do quadro e dificuldades no tratamento. Durante o processo, Caroline vinha para Salvador e contava com o suporte do Grupo de Apoio à Criança com Câncer (GACC), que é uma associação que oferece assistência psicossocial, médica e financeira às crianças e adolescentes com câncer.

“Eu tive linfoma e devido ao tempo para o diagnóstico eu já estava com leucemia também. O tratamento durou dois anos e meio de protocolo. O GACC fez meus dias mais tristes serem mais leves. Porque às vezes eu até esquecia da realidade naquele momento envolvida nas histórias, nos momentos que o grupo proporciona para a gente. Eram momentos de descontração mesmo. E eu por ser criança eu não sabia o que era o câncer”, declara.

Ao falar dos momentos difíceis em relação à descoberta da leucemia, a engenheira comemora o novo estudo estadunidense e vislumbra um futuro ainda mais promissor no diagnóstico e tratamento do câncer.

“Eu vejo esse medicamento como uma evolução importante, principalmente para nós que demoramos para ser diagnosticados e o nosso organismo já se encontra de uma forma bem debilitada. Eu quando descobri a doença estava bem debilitada e a quimioterapia é bem invasiva. Ainda tive sequelas inclusive nos dentes, fiquei cadeirante por estar muito fraca, eu não conseguia andar. Então, esses avanços na medicina vem para nos ajudar, para aliviar a dor, porque só quem passa por esse processo sabe o quanto é doloroso”, afirma.

Diagnóstico

A leucemia é uma doença que atinge a medula óssea, a “fábrica das células sanguíneas”. Esse tipo de câncer ocorre quando essa produção sai do controle, levando a uma quebra no equilíbrio especificamente dos glóbulos brancos no sangue. A partir dessa definição, o hematologista Alex Pimenta pontua que as manifestações da doença vão refletir diretamente nas células do sangue.

“A leucemia ter a ver com as células do sangue e, habitualmente, se manifesta com anemia pela redução da quantidade de glóbulos vermelhos, com alterações da células de defesa seja pelo aumento exagerado das células de defesa anormais ou redução exagerada, e geralmente com a redução de plaquetas, que também são produzidas na medula óssea e tem a ver com a coagulação do sangue. Isso gera consequências, a anemia causa fraqueza, falta de energia, palidez; já a alteração nas células de defesa propicia suscetibilidade, maior chance de pegar infecções”, aponta.

Ainda de acordo com o hematologista, a leucemia, assim como grande parte dos cânceres, não apresenta uma causa específica, mas pode ser suspeitada através de uma análise dos sintomas do paciente e até pelas alterações de exames, a exemplo do hemograma.

“A leucemia como a maioria dos cânceres é a gente muitas vezes não consegue identificar com precisão qual é a causa que levou aquilo. Em alguns, o câncer geralmente é uma doença multifatorial, várias coisas interagiram para que aquela condição pudesse acontecer”, acrescenta.

A Tarde