Lanchas e veleiros tem sido alvo de ataques de bandidos no litoral da Bahia. As ações dos assaltantes, chamados de piratas pela atuação no mar, incluem desde pequenos furtos até roubos comandados por traficantes que atuam na baía de Todos-os-Santos e na região do Baixo-Sul.

A secretaria de Segurança Pública da Bahia não possui dados específicos sobre roubos a embarcações em todo o litoral baiano. Mas destaca que os casos são isolados: e Itaparica e Valença, regiões de grande fluxo de embarcações, foram apenas dois casos de roubo este ano.

Estes dois casos, contudo, chamaram atenção pela violência das ações. Em abril, o segurança Alberides Santos Conceição, 30, morreu depois de ter sido baleado em um assalto a uma lancha no balneário de Morro de São Paulo, na cidade de Cairu (a 174 km de Salvador).

A investigação da Polícia Civil apontou que o crime foi praticado por um grupo de traficantes que controlam bocas de fumo na periferia de Valença e têm atuado como piratas na região de Gamboa e Morro de São Paulo.

Em julho, a velejadora capixaba Maria Augusta Favarato foi amarrada, amordaçada, agredida e roubada quando estava atracada em seu catamarã na Ilha do Sapinho, na baía de Camamu (a 190 km de Salvador).

Dois homens armados com facas foram até a embarcação em uma canoa. Um deles subiu no catamarã e rendeu a velejadora, que foi agredida com murros e tapas. Os bandidos levaram cerca de R$ 1.200.

Outros ataques tiveram repercussão nos últimos anos. Em março de 2015, três veleiros –um francês, um suíço e um sueco– foram alvo de bandidos armados e com os rostos cobertos por camisas na Ilha de Itaparica.

Os velejadores tiveram seus pertences roubados e foram agredidos.

Em dezembro de 2016, um marinheiro foi amarrado e roubado enquanto estava atracado na orla da Ribeira em Salvador. Em janeiro de 2017, um casal de velejadores foi assaltado nas proximidades da marina de Itaparica.

O caso emblemático, contudo, aconteceu há dez anos, quando o empresário e velejador paranaense Abel Habrosky de Aguilar foi morto com dois tiros em um catamarã na Ilha de Itaparica.

Os ataques mobilizaram velejadores que pedem mais segurança no mar. Há dois meses, a comunidade náutica protocolou uma petição pública que pede uma série de ações para garantir mais segurança para as embarcações.

No documento, que tem cerca de 1.100 assinaturas, os velejadores pedem a criação de um canal especializado para registro e comunicação de furtos e assaltos a embarcações e a criação de uma força-tarefa especializada para combater este tipo de crime.

Pedem ainda a inclusão da embarcação como referência de endereço residencial para os proprietários quando atracada em portos, clubes ou poitas registradas na capitania dos portos.

Parte dos velejadores também atua pela liberação do porte de armas para pessoas embarcadas. A própria Guta Favarato, alvo de ataque recente, é uma das defensoras do porte e disse em uma rede social que, se estivesse armada, teria como reagir ao ataque dos piratas.

Velejador desde os 11 anos, Marcelo Fróes, 50, diz que o porte de arma não é a solução ideal, mas deveria ser avaliada.

“No mar, você está isolado de tudo, é como na zona rural. O porte de arma seria uma alternativa para, pelo menos, tentar os bandidos pensarem duas vezes antes de aproximarem-se dos barcos”, afirma.

A comunidade náutica já costuma adotar estratégias para evitar assaltos, como andar em comboios de vários barcos e até mesmo ancorar no mesmo lugar por mais de uma noite seguida. Outros velejadores, por sua vez, abandonaram a prática de pernoitar embarcados e outros até deixaram de ir ao mar.

Foi o caso de Julival Góes, 81, que começou a reduzir o ritmo de idas ao mar nos últimos anos e, desde o início deste ano, deixou de velejar por medo de assaltos.

“Quando vou para o mar, gosto de desfrutar aquela paz. Perdeu o sentido fazer isso com o barco fechado a cadeado, saindo apenas em grupos, com algumas pessoas até armadas”, diz.

O velejador Júlio Esteves, 57, diz ter noção das dificuldades para garantir uma segurança ostensiva no mar. Mas afirma que não seria complicado reforçar o policiamento nos pontos mais frequentados pelos velejadores e criar canais de interlocução com a polícia: “A gente se sente vulnerável”, afirma.

O também velejador Luis Moriol, 50, diz que os casos mais recentes de assaltos deixaram a comunidade náutica mais atenta. “Tento não ficar preocupado, não levar essa paranoia para o mar, mas é claro que gente busca se precaver.”

E conta algumas de suas estratégias: “Se vou ancorar para dormir em algum lugar, chego só no final do dia e sem estardalhaço, que é para não chamar atenção. No dia seguinte, busco outro local, que é para não ficar visado”.

Entre os pontos mais críticos do litoral baiano citados pelos velejadores estão a barra do rio Paraguaçu, no recôncavo, a praia de Caixa-Prego, na Ilha de Itaparica, e a Ilha de Maré, em Salvador.

Os ataques acontecem em meio a um jogo de empurra sobre a responsabilidade de prevenir crimes no mar e patrulhar as áreas consideradas mais críticas.

A Polícia Militar da Bahia informou que o patrulhamento no mar é de responsabilidade da Marinha e afirmou que as lanchas da PM são usadas apenas para o translado das forças da segurança pública.

A Marinha do Brasil, por sua vez, declarou em nota que não é sua competência agir na prevenção e repressão a crimes praticados a bordo de embarcações em portos e em águas territoriais. Seu foco prioritário, informa, está na fiscalização de equipamentos de segurança e documentação das embarcações e tripulantes.

A Folha apurou com velejadores que as lanchas da polícia costumam fazer rondas apenas durante regatas e eventos náuticos.