O colegiado do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) optou por manter a taxa básica de juros – a Selic, no patamar atual de 10,5% ao ano e ela deve permanecer assim até o final de 2024, conforme projeção do mercado financeiro registrada pelo Boletim Focus. Nesse patamar, a Selic fortalece a renda fixa em detrimento da renda variável, favorece o rentismo, mas abala o setor imobiliário.
O CEO da Swiss Capital Invest, Alex Andrade, explica que para o investidor, a Selic alta beneficia os investimentos em renda fixa, proporcionando maior rentabilidade, já que esses oferecem remuneração baseada em juros. “Exemplos incluem títulos públicos do governo federal, CDBs, letras de crédito e debêntures”, diz.
Alex Andrade acrescenta que o Brasil enfrenta uma crise econômica com um déficit recorde nas contas públicas, colocando em dúvida a eficácia das estratégias adotadas pelo governo na gestão fiscal e econômica.
“Os gastos exorbitantes do governo não têm se traduzido em investimentos produtivos ou melhorias significativas na vida dos brasileiros. A falta de clareza na política econômica sobre onde e como os recursos estão sendo aplicados contribui para o crescente descontentamento público, levantando sérias dúvidas sobre se haverá alguma melhora até o final de 2024”, frisa.
E quanto ao mercado imobiliário?
O CEO da Smart House Investments, Andre Colares, aponta que a Selic em 10,5% impacta diretamente o mercado imobiliário e os Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs).
“Os custos de financiamento imobiliário permanecem altos, dificultando o acesso a novos financiamentos e pressionando o setor. Por outro lado, os FIIs de papel podem se beneficiar de altas taxas de juros, enquanto os FIIs de tijolo podem enfrentar dificuldades devido ao menor crescimento econômico e à menor demanda por espaços comerciais e residenciais”, destaca.
Para o executivo, a manutenção no patamar atual reflete uma postura prudente diante das pressões inflacionárias e do cenário fiscal desafiador. “Embora essa decisão possa impactar o consumo e o acesso ao crédito, é crucial para manter a estabilidade econômica e ancorar as expectativas inflacionárias”, ressalta.
Como fica para o cidadão comum?
Fabio Murad, sócio da Ipê Investimentos, indica que para o cidadão comum a manutenção da Selic em um patamar elevado significa que a política monetária permanece contracionista, reduzindo o poder de compra.
“Isso impacta diretamente os preços de itens de supermercado, contas de energia, preços dos combustíveis, diminui o acesso a empréstimos e dificulta os financiamentos”.
Para uma parte dos investidores qualificados, elenca que a manutenção é neutra. “Isso porque a rentabilidade dos investimentos atrelados a essas taxas tende a se manter constante. No entanto, para aqueles que esperavam uma mudança na taxa para realizar novos investimentos, essa notícia pode ser um pouco decepcionante”, reforça.
Migração para a renda fixa
Volnei Eyng, CEO da Multiplike, afirma que todo esse movimento da Super-Quarta, com a manutenção da Selic no Brasil, fortalece aquilo que já vinha ocorrendo, ou seja, uma migração ainda maior da renda variável para a renda fixa. “A primeira se refere a investimentos em que a rentabilidade não é previamente conhecida e pode variar ao longo do tempo.
“Os investimentos nesta classe de ativos são influenciados por diversos fatores de mercado, como a oferta e demanda, condições econômicas, desempenho da empresa ou ativo, entre outros”, destaca.
Já a renda fixa se refere a um tipo de investimento em que as condições de retorno, como juros e prazo, são conhecidas no momento da aplicação. “Esses investimentos são considerados mais seguros em comparação com a renda variável, pois oferecem previsibilidade e menor risco”, ressalta.
Vale mencionar que, segundo a B3 (B3SA3), os investidores estrangeiros ingressam com R$ 271,195 milhões no mercado de capitais nacional no dia 17 de junho. Porém, até o momento, houve retirada de R$ 6,824 bilhões. No acumulado do ano, investidores estrangeiros retiraram R$ 42,716 bilhões.
E a inflação, nesse cenário?
O estrategista-chefe do grupo Laatus, Jefferson Laatus, explica que a decisão do colegiado do Copom se mostra acertada porque cortar juros neste momento seria “aditivar” a inflação brasileira. Logo, elenca que a melhor escolha foi, de fato, a manutenção.
“Mas isso não virá sem ruído político por parte do governo. O BC, e seus principais diretores, já estão sendo ‘atacados’ pela classe política, em especial os agentes de situação”, salienta.
De acordo com o especialista, ao longo de 2024 as famílias de renda muito baixa têm sentido mais o impacto da inflação em comparação com os lares de renda alta. De janeiro a maio, a inflação para famílias com renda mensal inferior a R$ 2.105,99 foi de 2,57%, enquanto a inflação média para todas as faixas de renda foi de 2,27%. Em contrapartida, as famílias de renda alta, com orçamento superior a R$ 21.059,92, experimentaram um aumento nos preços de 1,9% em 2024.
Os grupos familiares de renda baixa (entre R$ 2.105,99 e R$ 3.158,99) e média baixa (de R$ 3.158,99 a R$ 5.264,99) também enfrentaram uma inflação maior que o índice médio em 2024, registrando 2,50% e 2,35%, respectivamente.
Lares de renda média (de R$ 5.264,98 a R$ 10.529,96) sentiram aumentos de preços ligeiramente abaixo da inflação oficial, com uma taxa de 2,25%. Os dados fazem parte do Indicador de Inflação por Faixa de Renda, divulgado dia 14 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O levantamento é baseado no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Setor sofre em dobro
O setor da construção civil, considerado a mola econômica do país, sofre duas vezes. Acontece que o juro elevado inibe a aquisição de moradias por parte dos trabalhadores, conforme referenciado pelos especialistas acima, e, para piorar, o segmento enfrenta desafios para entregar, no prazo, o grande volume de imóveis lançados nos últimos anos, bem como a escassez de mão de obra qualificada, um problema que já ocorreu ainda assombra as construtoras.
A falta de profissionais qualificados afeta todas as funções, desde serventes de obra até engenheiros, passando por pedreiros, azulejistas, pintores e carpinteiros. Isso resulta no aumento dos custos da folha de pagamento, que acaba sendo repassado para o preço dos imóveis. Em 2024, o dissídio da construção civil no Estado de São Paulo teve o maior ganho real dos últimos 20 anos.
Os salários na construção civil aumentaram acima da inflação, que normalmente era em torno de 0,5%, para 1,27% este ano, além da correção do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) de 3,18%, segundo o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de São Paulo (Sintracon-SP).
O ciclo de corte de juros no Brasil era um dos fatores que algumas entidades de classe estimavam para reforçar as projeções de aquecimento em alguns segmentos. O setor da construção civil, por exemplo, deveria crescer mais do que o previsto este ano, após uma queda de 0,5% no ano passado. Entretanto, as expectativas de alta agora ficam em suspenso.