Durante pandemia, até o budião-azul, ameaçado de extinção, volta a aparecer

Budião-azul, espécie ameaçada de extinção, tem entre 30 e 75 centímetros quando em fase adulta, passando dos 10kg de peso.

Sob a superfície do mar, os peixes escutam os ruídos e se dispersam ao perceber a proximidade de humanos. Nos últimos três meses, enquanto os banhistas e pescadores começavam a se afastar do mar, devido à pandemia, os peixes faziam o movimento contrário e voltavam a nadar mais próximos e em maior quantidade. Até o budião-azul, ameaçado de extinção, reapareceu no litoral.

O silêncio no mar parece ter deixado os peixes mais à vontade para circular em casa. A maioria dos peixes têm boa audição, além de sensores laterais que reconhecem sons de baixa frequência. O barulho pode significar perigo. Em diferente pontos, as espécies de badejo e budião-batata, geralmente com preferência por áreas mais distantes da costa, também têm aparecido.

Na Praia do Porto da Barra, repleta de banhistas e embarcações em dias usuais, cardumes de budião-azul passaram a passear, às vistas dos mergulhadores que, a trabalho, ainda descem ao mar.

A chegada de uma tartaruga marinha de grande porte para desovar naquela mesma praia, no dia 16 de junho, já havia acendido o alerta quanto à resposta dos seres marinhos à recente quietude dos dias. O depósito de ovos por tartarugas não acontecia na Barra há, pelo menos, 20 anos. Como relataram pescadores e mergulhadores , o aumento de peixes tem sido percebido, principalmente, na Barra.

Quase diariamente, o pescador submarino Luiz Carlos Terra Nova, 48 anos, tem encontrado o budião azul na região da Barra. A quantidade cresceu nas últimas duas semanas. “Mergulho de manhã e os peixes já estão subindo. É muito raro eles virem tanto, tão próximos”, falou ele.

A pesca da espécie – junto ao budião-batata – é restrita por lei, mas tem acontecido entre pescadores e mergulhadores, que chegam a exibir o resultado do dia de pescaria em redes sociais. Muitos dizem desconhecer as leis e pescar por necessidades. Badejos podem ser pescados.

O desaparecimento cada vez mais frequente do budião-azul é consequência direta da pesca predatória. Como ele não interage com anzóis, explicou o biólogo e mergulhador Maurício Cardim, os pescadores usam manzuás – gaiolas feitas com fibra de bambu – para capturá-lo. No caso do pescadores submarinos, o arbalete é a arma mais usada.

A espécie é fundamental para manutenção dos corais e precisa de locais iluminados, pois se alimentam, basicamente, de algas. Mas, “é muito difícil de se aproximar, o barulho já o afasta”, disse Cardim.

Os badejos costumam ser mais frequente e numerosos. Ainda assim, a última vez em que viu tanta frequência de cardumes de badejos no litoral foi há 10 anos, contou o pescador Arivaldo Santana. Sua área de trabalho é a Praia de Itapuã. “Todo mar está cheio dele. Hoje (dia 27 de junho) mesmo mergulhei e vi um monte de badejo aqui na praia de Itapuã”, contou, destacando os relatos de colegas da Barra.

Silêncio lá fora, festa no mar
Mesmo os ruídos fora d’água, como de veículos que circulam nas avenidas da orla, são ouvidos no ambiente marinho. As consequências da pandemia podem fazer parte de um efeito somatório que explique o retorno massivo de algumas espécies. Nenhuma pesquisa foi feita nos últimos três meses, em Salvador, sobre o assunto.

O professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e doutor em Oceanografia George Olavo acredita numa sinergia de fatores. Com o mar mais silencioso, os peixes voltam a circular com mais proximidade à costa. A própria limpeza da água, como falam também os próprios pescadores e mergulhadores, favorece encontrar os cardumes ou peixes isolados.
A diminuição na frequência de pescadores no mar pode, combinado a isso, aumentar a disponibilidade dos peixes, antes rapidamente afugentados ou pescados. Durante a pandemia, as colônias de pescadores têm relatado queda nas vendas de pescados, segundo a Bahia Pesca. Não há estatísticas específicas. No litoral soteropolitano, os peixes mais comuns são os vermelhos, cavala, guaricema e pirambu, por exemplo. Há variação conforme a época do ano.

“Os ruídos espantam e, falando em particular, ali no Porto da Barra, com certeza, com a quantidade banhistas e de embarcações com motor, os peixes vão se afastando. Mas não podemos falar em um só motivo”, explicou Olavo.

No caso dos badejos, agora é época de agregação dos peixes para reprodução. Eles se juntam, numa profundidade de aproximadamente 50 metros e distante da costa, para reproduzir, em todo o Nordeste. O preço nas colônias de pescadores continua o mesmo – R$ 30, o quilo. “Esses badejos que vi nas fotos não me parecem reprodutores. Mas pode ser, também, que eles tenham começado a se reproduzir mais cedo para sobreviver”, completou.

Se a pandemia e, consequentemente, o esvaziamento das praias e a tranquilidade no mar foram suficientes para voltar a atrair até espécies em extinção, só o tempo e as pesquisas confirmarão. Até agora, pescadores e mergulhadores estão curiosos em saber como um silêncio, mesmo breve, pode ser capaz de revigorar a natureza a esse ponto.

Jornal Correio da Bahia